Cumprido o propósito dos bombardeiros russos na Venezuela, por M. K. Bhadrakumar
14/12/2018, M. K. Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga
O rápido deslocamento de dois bombardeiros estratégicos Tupolev Tu-160 ‘Blackjack’ russos para a Venezuela semana passada tornou-se evento sensacional. Na verdade, é manifestação da crescente já alta capacidade militar dos russos, restaurada no governo do presidente Vladimir Putin. Os ‘Blackjack’ apareceram mais de uma vez nos céus da Síria, e recentemente voaram até além do Alasca. Agora, atravessaram o Pacífico.
Os dois bombardeiros com capacidade nuclear pousaram na Venezuela dia 10/12. O Tupolev Tu-160 ‘Blackjack’ é bombardeiro supersônico pesado de geometria variável, projetado para atingir alvos estratégicos com armas nucleares e convencionais, em profundidade, em teatros continentais de operações. Foi, digamos assim, uma “amostra” que Moscou ofereceu a Washington do mundo futuro, se os EUA continuarem a romper pactos de controles de armas e a tentar alterar, a favor deles, o equilíbrio estratégico global.
Fato é que os EUA retirarem-se do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário abre o caminho para que os norte-americanos instalem mísseis de alcance intermediário para atacarem a Rússia a partir de territórios europeus e no Extremo Oriente. Putin já disse que a Rússia responderá adequadamente a qualquer desafio que lhe façam os EUA.
Washington captou imediatamente a mensagem. O secretário de Estado Mike Pompeo tuitou: “Os povos russo e venezuelano devem ver o que realmente há nesse gesto: dois governos corruptos desperdiçando dinheiro dos contribuintes e massacrando a liberdade e todos os direitos humanos, enquanto o povo sofre”.
O Kremlin respondeu imediatamente que os comentários de Pompeo era “inadmissíveis” e “muitíssimo antidiplomáticos, para um secretário de Estado”. O porta-voz Dmitry Peskov disse que os EUA nada têm a ver com o que os russos gastem em manobras militares. “Metade do orçamento de Defesa dos EUA bastaria para alimentar todos os povos africanos”.
O influente diário russo Nezavisimaya Gazeta noticiou na 4ª-feira, que a missão dos bombardeiros estratégicos Tu-160 talvez tivesse alguma relação com um plano russo para estabelecer presença militar de longo prazo no Caribe. O jornal sugere que esse tema tenha sido item de agenda nas conversas que aconteceram durante a recente visita do presidente Nicolas Maduro da Venezuela, a Moscou. Interessante também, os dois bombardeiros estratégicos russos realizaram manobras de dez horas no Caribe, parte dos quais acompanhados por jatos venezuelanos.
Venezuela muito deseja manter relações próximas com a Rússia. Durante a recente visita de Maduro a Moscou firmaram-se acordos comerciais envolvendo $5 bilhões de novos investimentos russos na indústria venezuelana do petróleo e $1 bilhão em empresas de mineração, especialmente de ouro. (Estima-se que a Venezuela tenha os maiores depósitos de ouro do planeta.) Estima-se que o governo russo e a gigante petroleira Rosneft tenham emprestado cerca de $17 bilhões desde 2006, que é uma corda de salvação para o governo de Maduro. Por sua vez, para Moscou a aliança com a Venezuela é importante, porque os dois países são grandes produtores de petróleo fora da OPEP. Na reunião com Maduro, Putin fez uma referência velada à agenda de mudança de regime dos EUA aplicada contra a Venezuela, ao dizer que a Rússia condenava “todos os passos relacionados ao terrorismo e quaisquer tentativas de mudar a situação pelo uso de força.”
O contexto das tensões entre EUA e Rússia também deve ser considerado. Os EUA têm provocado a Russia em tempos recentes – ataques de drones contra bases russas na Síria, a escalada do conflito provocado pela Ucrânia no Mar de Azov, o ultimatum de Washington, de que deixará Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário com a Rússia, que proibia os dois países de desenvolver e implantar mísseis de curto e médio alcance, dentre outras provocações. Só nos últimos dez dias, os EUA escalaram as tensões militares com sobrevoos “extraordinários” sobre a Ucrânia com um avião de vigilância da Força Aérea dos EUA. O Pentágono, levianamente, descreveu a ação como gesto para “reafirmar o compromisso dos EUA com a Ucrânia” e a “segurança das nações europeias.” Mais uma vez, a Marinha dos EUA enviou um destroier armado com míssil teleguiado para o Mar do Japão, próximo da base da Frota Russa do Pacífico. É a primeira vez nos últimos 35 anos, desde o auge da Guerra Fria, que acontece tal coisa. E o Pentágono prepara-se para mandar outro navio da Marinha dos EUA para o Mar Negro, ao largo da Ucrânia.
Pode-se dizer que a chegada dos bombardeiros russos a Caracas sinaliza para a evidência de que a Rússia tem meios para responder à altura. A grande questão é se a missão dos bombardeiros atômicos Blackjack na Venezuela significa ou não uma mudança na estratégia russa nesse ponto do confronto. Há dois dias, em conferência de imprensa, Maduro disse que seu encontro com Putin foi “a reunião mais produtiva de toda a minha carreira. Reforçamos o processo de cooperação entre Rússia e Venezuela na esfera da cooperação técnico-militar.” Mas ali Maduro falava ao seu público doméstico.
A liderança russa tem evitado muito atentamente a superdistensão estratégica que tanto drenou os recursos da União Soviética. A abordagem de Putin’ é continuar a melhorar o poder de contensão da Rússia e impedir – de modo produtivo e custo-efetivo – a erosão do equilíbrio estratégico, sem entrar em confronto com os EUA, ao mesmo tempo em que avança sempre efetivamente na linha da política externa definida para a Rússia. Nisso, a verdade é que Putin tem sido extraordinariamente bem-sucedido.
A Venezuela vê-se assolada por profunda crise econômica, em grande parte provocada e aprofundada pelas sanções dos EUA. O que Rússia (e China) podem e devem fazer é apoiar a Venezuela mediante ajudas comerciais e investimentos (o que, talvez, já estejam fazendo.) Implantar uma base militar no Caribe não pode ser prioridade dos russos.
Tudo isso considerado, Moscou fez movimento inteligente ao pousar por curto espaço de tempo, no quintal dos EUA, seus dois bombardeiros estratégicos Tu-160 com capacidade nuclear (os bombardeiros vieram acompanhados por um AN-124 de transporte e um jato de passageiros Il-62, tripulação total de 100 pilotos e pessoal russo variado.)
Chamou a atenção da Casa Branca. Os Guerreiros da Guerra Fria no governo estão no velho jogo de cutucar o urso, e a paciência dos russos vai-se esgotando. Interessante: a Casa Branca mobilizou-se para explicar: “Falamos com representantes russos e fomos informados de que sua aeronave militar, que pousou na Venezuela, deixará o país na 6ª-feira, de volta à Rússia.”
Tempos extraordinários nas relações russo-norte-americanas. Moscou está lidando com a pergunta que Kissinger tornou famosa: “Quando quero falar com a Europa, telefono para quem?” O caso aqui é que há múltiplos centros de poder no Departamento de Estado em Washington. O porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov talvez tenha feito alusão a isso, quando disse hoje, mais cedo, que Moscou continua convencida de que um encontro entre Putin e Trump é “igualmente necessário para ambos.”*******
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