STF só ouve a voz das ruas quando lhe convém




STF só ouve a voz das ruas quando lhe convém

PAULO MOREIRA LEITE 
BRASIL 247 






Disponível no Youtube, o vídeo da sessão do STF que discutiu a cassação de 3,4 milhões de títulos eleitorais é um desses documentos essenciais para se compreender  o atual momento político. 
Num país habituado a ouvir ministros e juizes dizendo que é preciso "ouvir a voz das ruas", a decisão de ontem mostrou que a maioria do STF gosta de ouvir a voz das ruas -- quando lhe convém.  
Exibida em termos técnicos, de forma a sugerir neutralidade, o corte de 3,3 milhões de votos terá um impacto direto na eleição presidencial.
Dos 3,3 milhões de eleitores excluídos, pouco mais de 2,04 milhões estão estabelecidos em 12 Estados que deram maioria de votos a Dilma Rousseff contra Aécio Neves  em 2014 -- pleito vencido em segundo turno pela candidata do PT, também por 3,4 milhões. Nos estados nordestinos, principal alvo das exclusões, com 1,2 milhão de exclusões, Fernando Haddad consegue seu melhor índice de intenções de voto, 26%. 
Com 10 milhões de eleitores, a Bahia, que é um tradicional celeiro de votos petistas, foi o Estado mais atingido. Perdeu 586.333 eleitores, ou 5% do total, numero precioso em apurações apertadas. Em São Paulo, onde o PSDB tem cinco governos estaduais acumulados, 375.169 eleitores foram excluídos. Num total de 33 milhões,  o corte foi de 1,2%. 
Ausente do julgamento, a presidente do TSE, Rosa Weber, enviou aos colegas um documento de 201 páginas no qual defendeu a exclusão dos 3,3 milhões com seu conhecido modo sinuoso de argumentar. Uma leitura atenta do documento permite uma conclusão surpreendente.
Embora o corte tenha sido justificado pelo fato de que os eleitores não fizeram a biometria no prazo exigido pela Justiça Eleitoral, no  documento a própria ministra reconhece que a ausência de biometria não "deve gerar necessariamente o cancelamento do título eleitoral". O problema, na verdade, é de outra natureza.
Caso se resolvesse permitir o retorno dos excluídos, justificável ou não, iriam ocorrer imensos transtornos: "implicará o comprometimento do calendário eleitoral, fora elevados custos exigidos para o refazimento das diversas etapas do pleito". Aqui está o debate, num país onde o voto é obrigatório e uma pessoa só pode ser proibida de votar numa situação bem específica -- após uma condenação transitada em julgado. (Outra hipótese menos grave de exclusão envolve os deveres de rotina do cadastro eleitoral, de caráter obrigatório, quando aprovados e previstos em lei -- ao contrário da biometria, esclareceu Marco Aurélio Mello).    
Argumento repetido com frequência pelos partidários da exclusão dos 3,3 milhões a ameaça de "comprometimento do calendário eleitoral" provocou indignação em Ricardo Lewandowski. Lembrando os oito anos de experiência no TSE, como presidente e vice, ele apresentou argumentos técnicos de verdade para defender um ponto de vista.
Assegurou que, mesmo em prazo apertado, a partir de providências rápidas seria possível restaurar os direitos dos excluídos -- nem que fossem autorizador a votar em urnas separadas. Em ultima caso, disse, pelo menos seria possível permitir que o eleitorado completo pelo menos tivesse o direito de votar no segundo turno, se ele vier a ocorrer.
"É conveniência administrativa", denunciou Marco Aurélio Mello, sugerindo que na realidade os excluídos estão pagando pela desordem alheia. Ninguém contesta que o controle biométrico dos eleitores representa um avanço. O que se questiona é o cancelamento do titulo, já que os cadastros da Justiça eleitoral continuam em vigor. Sempre permitiram ao eleitor comparecer às urnas e votar, muitas vezes com a carteira de identidade ou qualquer documento oficial com foto, lembrou Lewandovski. "Mais da metade dos brasileiros vota e vai votar pelo cadastro" argumentou.
A argumentação tem fundamento nos bons princípios jurídicos, reforçados pelo fato de que o voto é obrigatório e a Constituição diz, no artigo 1, que os poderes do povo são o fundamento da Republica. 
Do ponto de vista da democracia, é  preferível permitir a uma pessoa votar até sem o título -- mas com um documento válido  -- do que impedir seu voto.
Num país desigual como o nosso, medidas que contribuem para reduzir a força politica dos pobres e excluídos só auxiliam a concentrar riqueza e poder no topo da pirâmide. Pelo perfil da maioria dos atingidos, que vivem em pontos distantes dos grandes centros, possuem dificuldades conhecidas de comunicação e locomoção, a maioria só deve descobrir sua condição de não-eleitor em 7 de outubro, quando tentarem votar. 
Alguma dúvida?

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