ENTREVISTA
'Quem julga tá lá em cima, no céu'
21 Setembro 2018 19:23:00
A afirmação é do advogado José Guilherme de Aragão
ALEXaNDRE MELO - JORNAL@JORNALMETAS.COM.BR
Eugênio José Guilherme de Aragão, 59 anos, é jurista e advogado brasileiro, membro do Ministério Público Federal de 1987 a 2017 e Ministro da Justiça em 2016, durante o governo petista de Dilma Rousseff. Aragão é professor titular de Direito Internacional da Universidade de Brasília, pela qual é graduado em Direito. Nos últimos tempos se notabilizou na mídia por ser o advogado do candidato à presidência da República do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que encontra-se preso em Curitiba, condenado a 12 anos e quatros meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No início da semana, Aragão esteve em Blumenau para uma palestra no III Simpósio & Semináriuo Internacional de Direito da Universidade Regional de Blumenau (Furb). Antes, porém, ele passou por Gaspar, onde visitou o Jornal Metas e deu a seguinte entrevista.
JM: O senhor disse em entrevista que juízes julgam para atender a sentimentos pessoais. O senhor acredita que de fato essa é a figura do nosso judiciário?
Aragão: Eu acho que nos últimos anos, o Brasil viu a prevaricação se espalhar pelas instituições judiciárias e do Ministério Público. As pessoas se expressam com uma paixão nos processos cheios de adjetivos e desqualificando as partes. Quando eu fiz concurso para o Ministério Público, em 1986, uma das mensagens muito claras que recebíamos naquela é que denúncias e sentenças não podem ser adjetivadas. O juiz e o Ministério Público não são inimigos das partes. Eles têm que simplesmente aplicar a lei. Não cabe ao juiz julgar a pessoa. Quem julga tá lá em cima, tá no céu. O que cabe a um juiz fazer é nada mais do que aplicar a lei a uma hipótese concreta. E isso demanda despojamento e serenidade da parte do juiz. Ele não pode sair por aí desqualificando porque o meliante disse isso ou fez aquilo. Chamar uma parte de meliante, de vagabundo e de corrupto não cabe no vocabulário de atos jurisdicionais. Infelizmente, hoje vemos uma abundância de adjetivos, fora dos powerpoints para distrair jornalistas que são informados ou deformados pelos atos praticados pelo Ministério Público, pelas polícias e pelo próprio judiciário.
Aragão: Eu acho que nos últimos anos, o Brasil viu a prevaricação se espalhar pelas instituições judiciárias e do Ministério Público. As pessoas se expressam com uma paixão nos processos cheios de adjetivos e desqualificando as partes. Quando eu fiz concurso para o Ministério Público, em 1986, uma das mensagens muito claras que recebíamos naquela é que denúncias e sentenças não podem ser adjetivadas. O juiz e o Ministério Público não são inimigos das partes. Eles têm que simplesmente aplicar a lei. Não cabe ao juiz julgar a pessoa. Quem julga tá lá em cima, tá no céu. O que cabe a um juiz fazer é nada mais do que aplicar a lei a uma hipótese concreta. E isso demanda despojamento e serenidade da parte do juiz. Ele não pode sair por aí desqualificando porque o meliante disse isso ou fez aquilo. Chamar uma parte de meliante, de vagabundo e de corrupto não cabe no vocabulário de atos jurisdicionais. Infelizmente, hoje vemos uma abundância de adjetivos, fora dos powerpoints para distrair jornalistas que são informados ou deformados pelos atos praticados pelo Ministério Público, pelas polícias e pelo próprio judiciário.
JM: Então, acontece aquilo que o senhor chama de decisões "alternativistas"?
Aragão: O mau exemplo vem de cima, dos tribunais superiores. É uma aplicação da lei que se faz conforme o caso. Aplicação criativa da lei, interpretação constitucional da lei. Só assim que se pode entender que o artigo 5º &57 da Constituição Federal, que trata da presunção de inocência, e a Constituição é clara, diz que ninguém será considerado culpado sem trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Precisa desenhar? Mas aí, o que dizem? Não, depois da segunda instância já pode cumprir a pena. Como você cumpre uma pena sem culpabilidade? Isso é uma distorção completa para atender as vozes das ruas, que quer uma apreciação moral do ato das pessoas e não uma apreciação legal. A situação hoje ficou tão complicada que quando um cliente pergunta para mim: - doutor, quais são as minhas chances? Eu tenho que responder: depende do juiz do seu processo. Isso é uma completa falta de critérios, as pessoas estão julgando de uma maneira moral subjetiva e não pela lei. E isso significa um desprestígio profundo da soberania popular porque quem faz as leis é o parlamento e não o juiz. O juiz tem que seguir aquilo que o parlamento lhe determinou. Hoje, um juiz não se sente vinculado à lei. Ele estica, muda e adapta do jeito que ele quer. Qual a segurança jurídica que as pessoas têm? No caso do ex-presidente Lula, a coisa está muito clara. Não adianta. Nós não temos acesso à justiça para ele. Tudo que se pede para ele, sistematicamente é negado. Não tem nenhum "porém" ou "quem sabe". É não. Isso nós vimos com a juíza da execução, no Tribunal Regional Federal (TRF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É uma escolha sistemática de negar todos os direitos previstos na Constituição Federal e na Legislação Eleitoral.
Aragão: O mau exemplo vem de cima, dos tribunais superiores. É uma aplicação da lei que se faz conforme o caso. Aplicação criativa da lei, interpretação constitucional da lei. Só assim que se pode entender que o artigo 5º &57 da Constituição Federal, que trata da presunção de inocência, e a Constituição é clara, diz que ninguém será considerado culpado sem trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Precisa desenhar? Mas aí, o que dizem? Não, depois da segunda instância já pode cumprir a pena. Como você cumpre uma pena sem culpabilidade? Isso é uma distorção completa para atender as vozes das ruas, que quer uma apreciação moral do ato das pessoas e não uma apreciação legal. A situação hoje ficou tão complicada que quando um cliente pergunta para mim: - doutor, quais são as minhas chances? Eu tenho que responder: depende do juiz do seu processo. Isso é uma completa falta de critérios, as pessoas estão julgando de uma maneira moral subjetiva e não pela lei. E isso significa um desprestígio profundo da soberania popular porque quem faz as leis é o parlamento e não o juiz. O juiz tem que seguir aquilo que o parlamento lhe determinou. Hoje, um juiz não se sente vinculado à lei. Ele estica, muda e adapta do jeito que ele quer. Qual a segurança jurídica que as pessoas têm? No caso do ex-presidente Lula, a coisa está muito clara. Não adianta. Nós não temos acesso à justiça para ele. Tudo que se pede para ele, sistematicamente é negado. Não tem nenhum "porém" ou "quem sabe". É não. Isso nós vimos com a juíza da execução, no Tribunal Regional Federal (TRF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É uma escolha sistemática de negar todos os direitos previstos na Constituição Federal e na Legislação Eleitoral.
JM: O senhor acha que essa eleição sem Lula é ilegal?
Aragão: Quando você tem uma opção política, existem duas hipóteses: ou você escolha estar dentro do sistema ou fora dele. Se você entende que o sistema não lhe traz nenhuma justiça, que a aplicação da lei virou um deboche, a opção é sair do sistema. Lula não se entregaria à polícia, pegaria uma embaixada qualquer, se mandaria para o exterior e de lá organizaria a resistência. Ele fez uma opção política, mas quando você opta por ficar dentro sistema e aceitar as regras é porque você entende que ainda há chance de se fazer justiça. Lula sempre acreditou nisso. Lula se entregou porque ele acreditou na justiça, tanto é que quando falam para ele a questão de indulto ele não aceita. Ele diz "indulto é uma confissão de que eu fiz algo errado. Eu quero ser absolvido, porque eu quer que me mostrem a prova de uma coisa errada que eu fiz. Se eles conseguirem mostrar essa prova, eu não tenho condições de ser candidato a nada, mas eu creio que uma hora a justiça vai se manifestar a meu favor". Portanto, é uma crença que ele tem; ele optou por isso e também é por isso que o PT optou, depois de longas conversas com Lula, que era o nosso candidato, de mudar a chapa e colocar Hadad e a Manuela. E não foi uma decisão fácil, foi muito doloroso porque Lula estava posto como candidato já desde muito tempo. Na verdade, desde 2014. Todos sabiam que em 2018 Lula seria o candidato do PT. O caminho foi cortado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região de uma forma sórdida, de um processo feito às pressas, de afogadilho só para impedir Lula de ser candidato, porque na hora do recurso do Lula contra a decisão sórdida do TRF, eles fizeram corpo mole, não queriam que os recursos subissem porque poderia ser reformada a decisão. Então, eles enrolaram até o momento do registro. A gente não teve nenhuma decisão da justiça dando efeito suspensivo aos recursos do Lula. Este é o problema: na hora que interessa a justiça acelera o passo, na hora que não interessa ela faz corpo mole. Ele ainda assim acredita na justiça, não existe nenhuma pessoa mais institucionalista e legalista como o Lula. Ele acredita nas instituições, e por acreditar na justiça é que ele sempre quis que o Ministério Público escolhesse o seu Procurador Geral da República. Ele sempre diz: "eu jamais vou indicar um engavetador da República". E na escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ele não fez nenhuma escolha ideológica ou programática partidária. A gente vê hoje a realidade disso, esses ministros escolhidos pelo PT, e na minha opinião mal escolhidos, se revelaram pessoas que são até adversárias do PT. Isso mostra que o PT foi republicano, pode até ter pecado pelo excesso de republicanismo e pouco pragmatismo, mas isso mostra que a pessoa de Lula e legalista e institucionalista e acredita até hoje que a justiça será feita no caso dele, por isso nós trocamos o candidato a pedido do próprio Lula.
Aragão: Quando você tem uma opção política, existem duas hipóteses: ou você escolha estar dentro do sistema ou fora dele. Se você entende que o sistema não lhe traz nenhuma justiça, que a aplicação da lei virou um deboche, a opção é sair do sistema. Lula não se entregaria à polícia, pegaria uma embaixada qualquer, se mandaria para o exterior e de lá organizaria a resistência. Ele fez uma opção política, mas quando você opta por ficar dentro sistema e aceitar as regras é porque você entende que ainda há chance de se fazer justiça. Lula sempre acreditou nisso. Lula se entregou porque ele acreditou na justiça, tanto é que quando falam para ele a questão de indulto ele não aceita. Ele diz "indulto é uma confissão de que eu fiz algo errado. Eu quero ser absolvido, porque eu quer que me mostrem a prova de uma coisa errada que eu fiz. Se eles conseguirem mostrar essa prova, eu não tenho condições de ser candidato a nada, mas eu creio que uma hora a justiça vai se manifestar a meu favor". Portanto, é uma crença que ele tem; ele optou por isso e também é por isso que o PT optou, depois de longas conversas com Lula, que era o nosso candidato, de mudar a chapa e colocar Hadad e a Manuela. E não foi uma decisão fácil, foi muito doloroso porque Lula estava posto como candidato já desde muito tempo. Na verdade, desde 2014. Todos sabiam que em 2018 Lula seria o candidato do PT. O caminho foi cortado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região de uma forma sórdida, de um processo feito às pressas, de afogadilho só para impedir Lula de ser candidato, porque na hora do recurso do Lula contra a decisão sórdida do TRF, eles fizeram corpo mole, não queriam que os recursos subissem porque poderia ser reformada a decisão. Então, eles enrolaram até o momento do registro. A gente não teve nenhuma decisão da justiça dando efeito suspensivo aos recursos do Lula. Este é o problema: na hora que interessa a justiça acelera o passo, na hora que não interessa ela faz corpo mole. Ele ainda assim acredita na justiça, não existe nenhuma pessoa mais institucionalista e legalista como o Lula. Ele acredita nas instituições, e por acreditar na justiça é que ele sempre quis que o Ministério Público escolhesse o seu Procurador Geral da República. Ele sempre diz: "eu jamais vou indicar um engavetador da República". E na escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ele não fez nenhuma escolha ideológica ou programática partidária. A gente vê hoje a realidade disso, esses ministros escolhidos pelo PT, e na minha opinião mal escolhidos, se revelaram pessoas que são até adversárias do PT. Isso mostra que o PT foi republicano, pode até ter pecado pelo excesso de republicanismo e pouco pragmatismo, mas isso mostra que a pessoa de Lula e legalista e institucionalista e acredita até hoje que a justiça será feita no caso dele, por isso nós trocamos o candidato a pedido do próprio Lula.
JM: O senhor acredita que se Fernando Hadad for eleito, a primeira medida dele será mandar soltar o Lula?
Aragão: Não acredito, embora o presidente da República possa fazer muita coisa. Ele tem muito poder, mas eu acredito, como conheço o Fernando Hadad, que ele não fará nada que não seja devidamente costurado na sociedade. Qualquer decisão precisa ter aparência clara de que se trata de uma decisão institucional e legal. Ninguém vai querer depois que Lula seja acusado de ter sido beneficiado pelos seus companheiros. Isso não interessa nem ao Lula. Isso é algo que a sociedade terá que costurar, porque a governabilidade hoje no Brasil tende muito a se costurar esse acordo na sociedade. Não dá mais para ficar polarizado e permitir que os burocratas da justiça substituam aos eleitos pelo voto popular. Não dá., Isso gerou insegurança política, a quebra da nossa indústria naval, a quebra da nossa indústria de construção civil e a miséria das finanças públicas em muitos estados. A entrega dos ativos nacionais é algo que todos nós precisamos impedir. E não podemos separar essa arbitrariedade contra o Lula e da destituição de Dilma, sem crime de responsabilidade, da quebradeira da economia nacional. É tudo parte de um mesmo pacote. O futuro governo terá que ter força e legitimidade suficiente para devolver a soberania popular a quem lhe pertence, desfazer este imbróglio que se deu com a destituição inconstitucional de Dilma, com a atuação completamente fora dos parâmetros legais da Lava Jato e do Ministério Público Federal e com a prisão de Lula. O Brasil terá que enfrentar a sua hora da verdade.
Aragão: Não acredito, embora o presidente da República possa fazer muita coisa. Ele tem muito poder, mas eu acredito, como conheço o Fernando Hadad, que ele não fará nada que não seja devidamente costurado na sociedade. Qualquer decisão precisa ter aparência clara de que se trata de uma decisão institucional e legal. Ninguém vai querer depois que Lula seja acusado de ter sido beneficiado pelos seus companheiros. Isso não interessa nem ao Lula. Isso é algo que a sociedade terá que costurar, porque a governabilidade hoje no Brasil tende muito a se costurar esse acordo na sociedade. Não dá mais para ficar polarizado e permitir que os burocratas da justiça substituam aos eleitos pelo voto popular. Não dá., Isso gerou insegurança política, a quebra da nossa indústria naval, a quebra da nossa indústria de construção civil e a miséria das finanças públicas em muitos estados. A entrega dos ativos nacionais é algo que todos nós precisamos impedir. E não podemos separar essa arbitrariedade contra o Lula e da destituição de Dilma, sem crime de responsabilidade, da quebradeira da economia nacional. É tudo parte de um mesmo pacote. O futuro governo terá que ter força e legitimidade suficiente para devolver a soberania popular a quem lhe pertence, desfazer este imbróglio que se deu com a destituição inconstitucional de Dilma, com a atuação completamente fora dos parâmetros legais da Lava Jato e do Ministério Público Federal e com a prisão de Lula. O Brasil terá que enfrentar a sua hora da verdade.
JM: Quando o senhor foi ministro da Justiça, o senhor já percebia esse ativismo jurídico?
Aragão: Em 2005, quando eu estava atuando na Procuração Jurídica Internacional do Ministério Público Federal. Naquela época eu era membro do Centro de Cooperação Jurídica Internacional. Viajei para Nova Iorque para ver o que nossos colegas estavam aprontando na coleta de provas. Eles recebiam essas provas de autoridades americanas e passavam para o Consulado do Brasil, recebiam com um carimbo e juntavam nos processos como se provas fossem, passando completamente ao largo do acordo de cooperação mútua entre Brasil e Estados Unidos, que determina toda uma cadeia de custódia. Se eu coloco um documento em um processo no Brasil sem dizer de onde consegui esse documento, em tese, eu posso ter invadido o escritório do Procurador Geral em Nova Iorque e furtado. E mais, antes desses documentos chegarem ao Supremo Tribunal federal chegavam na Veja (revista) e no O Globo, numa quebra desavergonhada de sigilos processuais, ou seja, a polícia e Ministério Público estavam promovendo um verdadeiro teatro e quebrando a confiança das autoridades americanas, pois quando eu mostrei ao Procurador Geral de Nova Iorque esses abusos midiáticos, ele ficou apavorado e passou a proibir que eles levassem esses documentos sem que passassem pelo Departamento de Justiça norte-americana, ou seja, voltou a ser garantida a cadeia de custódia dos documentos.Portanto, naquele época eu já notava um frenesi de procuradores que se sentiam chefes da diplomacia brasileira.
Aragão: Em 2005, quando eu estava atuando na Procuração Jurídica Internacional do Ministério Público Federal. Naquela época eu era membro do Centro de Cooperação Jurídica Internacional. Viajei para Nova Iorque para ver o que nossos colegas estavam aprontando na coleta de provas. Eles recebiam essas provas de autoridades americanas e passavam para o Consulado do Brasil, recebiam com um carimbo e juntavam nos processos como se provas fossem, passando completamente ao largo do acordo de cooperação mútua entre Brasil e Estados Unidos, que determina toda uma cadeia de custódia. Se eu coloco um documento em um processo no Brasil sem dizer de onde consegui esse documento, em tese, eu posso ter invadido o escritório do Procurador Geral em Nova Iorque e furtado. E mais, antes desses documentos chegarem ao Supremo Tribunal federal chegavam na Veja (revista) e no O Globo, numa quebra desavergonhada de sigilos processuais, ou seja, a polícia e Ministério Público estavam promovendo um verdadeiro teatro e quebrando a confiança das autoridades americanas, pois quando eu mostrei ao Procurador Geral de Nova Iorque esses abusos midiáticos, ele ficou apavorado e passou a proibir que eles levassem esses documentos sem que passassem pelo Departamento de Justiça norte-americana, ou seja, voltou a ser garantida a cadeia de custódia dos documentos.Portanto, naquele época eu já notava um frenesi de procuradores que se sentiam chefes da diplomacia brasileira.
JM: Qual a sua opinião sobre delação premiada?
Aragão: O grande erro dos nossos governos me parece foi ter dado muita colher de chá para as corporações judiciais. Na época do Márcio Thomaz Bastos (ex-ministro da Justiça) foi criada a estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Ativos e Corrupção, onde se juntavam todos os atores da repressão penal em relação à lavagem de dinheiro e corrupção. O governo sempre deu pilha pra esse pessoal. O governo não interferiu na redação que esse pessoal deu à legislação sobre combate à corrupção e organizações criminosas. A lei 12.850, por exemplo, que trata do combate à organização criminosas traz uma definição ridiculamente ampla e aberta do que é organização criminosa, praticamente definiu como se tudo fosse organização criminosa. Por exemplo, se diz lá que uma organização criminosa é uma entidade constituída, no mínimo, por quatro pessoas, estruturada e com divisão de trabalho para a prática de crimes. Aí, lhe digo: a loja do seu Salim, que vende tecidos, lá no Saara, no Rio de Janeiro, pode ser uma organização criminosa.Por que? Porque o seu Salim cuida do estoque, a esposa atende aos clientes, a filha faz as contas todo o mês e o genro faz as entregas. Temos, portanto, uma entidade estruturada, com alvará de funcionamento, divisão de trabalho. E o que eles fazem de ilícito? Não passam nota fiscal quando vendem. Então, você pode afirmar que o seu Salim tem uma organização criminosa. Neste caso, eu posso usar quebra de sigilo fiscal, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo telefônico e posso usar a delação premiada contra o seu Salim. A coisa chegou ao ponto que qualquer pessoa que esteja fora da lei na sua atividade passa a pertencer a uma organização criminosa. A delação premiada, como nos conhecemos, vem do Direito Italiano. O Código Penal Italiano, artigo 416, trata de organizações criminosas e a define em dois tipos: mafiosa e terrorista. O que elas têm em comum? Elas usam de violência para fora, a fim de impor seus negócios, e para dentro a fim de garantir a fidelidade dos seus adeptos. Quando um membro da máfia italiana quer sair da organização, ele e sua família correm sério risco de vida porque existe uma lei de sangue, ou você é fiel ou morre. Então, para sair da máfia essa pessoa vai ao Estado e pede proteção e, na contrapartida, mostra como funciona o esquema. É assim que a delação premiada funciona na Itália. Aqui, no Brasil, o sujeito que delata não está com medo do crime. Aliás, ele vive muito bem nesses ambientes, como um peixinho na água. Na verdade, ele está com medo do Estado e faz a delação premiada para que o Estado não venha a acabar com a reputação dele através deste procuradores e policiais ativistas, que gostam de falar para a imprensa, para preservar a sua reputação e sobretudo para preservar o seu estilo de vida. Esse pessoal que delatou na Lava Jato está muito bem nas suas coberturas duplex na Barra da Tijuca e bebendo o seu uísque 30 anos. Portanto, ao invés da delação premiada servir para combater o crime organizado, ele na verdade está garantido para os criminosos uma vida em berço de ouro, ou seja, fazendo exatamente o contrário. E para que? Para direcionar as delações a alvos selecionados, ou seja, o Ministério Público usa a delação premiada para atirar pra cima de alvos determinados. É o caso típico do Leo Pinheiro. Ele foi preso e disse que o Lula não fez nada de errado e que não devia nada a Lula. Aí ele é condenado a nove anos de prisão, e fica meio abalado, mesmo assim continua dizendo que o Lula não fez nada a ele. Aí, o Tribunal da 4ª Região condena ele a 26 anos de prisão. Aí bateu desespero no Leo Pinheiro, que começou a inventar. O que ele conseguiu? Reduzir a pena dele. Foi assim que ele acusou o Lula. Isso é justiça? Esse tipo de delação premiada serve para apuração da verdade real? Eu acho que não. Não dá para você estimular pessoas a falarem em troca de vantagens, porque isso se configura numa extorsão em última análise, tortura psicológica. O sujeito entrega até a mãe dele. Esse é o problema da delação premiada no Brasil, não na Itália.
Aragão: O grande erro dos nossos governos me parece foi ter dado muita colher de chá para as corporações judiciais. Na época do Márcio Thomaz Bastos (ex-ministro da Justiça) foi criada a estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Ativos e Corrupção, onde se juntavam todos os atores da repressão penal em relação à lavagem de dinheiro e corrupção. O governo sempre deu pilha pra esse pessoal. O governo não interferiu na redação que esse pessoal deu à legislação sobre combate à corrupção e organizações criminosas. A lei 12.850, por exemplo, que trata do combate à organização criminosas traz uma definição ridiculamente ampla e aberta do que é organização criminosa, praticamente definiu como se tudo fosse organização criminosa. Por exemplo, se diz lá que uma organização criminosa é uma entidade constituída, no mínimo, por quatro pessoas, estruturada e com divisão de trabalho para a prática de crimes. Aí, lhe digo: a loja do seu Salim, que vende tecidos, lá no Saara, no Rio de Janeiro, pode ser uma organização criminosa.Por que? Porque o seu Salim cuida do estoque, a esposa atende aos clientes, a filha faz as contas todo o mês e o genro faz as entregas. Temos, portanto, uma entidade estruturada, com alvará de funcionamento, divisão de trabalho. E o que eles fazem de ilícito? Não passam nota fiscal quando vendem. Então, você pode afirmar que o seu Salim tem uma organização criminosa. Neste caso, eu posso usar quebra de sigilo fiscal, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo telefônico e posso usar a delação premiada contra o seu Salim. A coisa chegou ao ponto que qualquer pessoa que esteja fora da lei na sua atividade passa a pertencer a uma organização criminosa. A delação premiada, como nos conhecemos, vem do Direito Italiano. O Código Penal Italiano, artigo 416, trata de organizações criminosas e a define em dois tipos: mafiosa e terrorista. O que elas têm em comum? Elas usam de violência para fora, a fim de impor seus negócios, e para dentro a fim de garantir a fidelidade dos seus adeptos. Quando um membro da máfia italiana quer sair da organização, ele e sua família correm sério risco de vida porque existe uma lei de sangue, ou você é fiel ou morre. Então, para sair da máfia essa pessoa vai ao Estado e pede proteção e, na contrapartida, mostra como funciona o esquema. É assim que a delação premiada funciona na Itália. Aqui, no Brasil, o sujeito que delata não está com medo do crime. Aliás, ele vive muito bem nesses ambientes, como um peixinho na água. Na verdade, ele está com medo do Estado e faz a delação premiada para que o Estado não venha a acabar com a reputação dele através deste procuradores e policiais ativistas, que gostam de falar para a imprensa, para preservar a sua reputação e sobretudo para preservar o seu estilo de vida. Esse pessoal que delatou na Lava Jato está muito bem nas suas coberturas duplex na Barra da Tijuca e bebendo o seu uísque 30 anos. Portanto, ao invés da delação premiada servir para combater o crime organizado, ele na verdade está garantido para os criminosos uma vida em berço de ouro, ou seja, fazendo exatamente o contrário. E para que? Para direcionar as delações a alvos selecionados, ou seja, o Ministério Público usa a delação premiada para atirar pra cima de alvos determinados. É o caso típico do Leo Pinheiro. Ele foi preso e disse que o Lula não fez nada de errado e que não devia nada a Lula. Aí ele é condenado a nove anos de prisão, e fica meio abalado, mesmo assim continua dizendo que o Lula não fez nada a ele. Aí, o Tribunal da 4ª Região condena ele a 26 anos de prisão. Aí bateu desespero no Leo Pinheiro, que começou a inventar. O que ele conseguiu? Reduzir a pena dele. Foi assim que ele acusou o Lula. Isso é justiça? Esse tipo de delação premiada serve para apuração da verdade real? Eu acho que não. Não dá para você estimular pessoas a falarem em troca de vantagens, porque isso se configura numa extorsão em última análise, tortura psicológica. O sujeito entrega até a mãe dele. Esse é o problema da delação premiada no Brasil, não na Itália.
Jornal Metas: O ex-presidente Lula é um preso político ou um preso comum?
Aragão: Nós temos o hábito de ver a justiça como algo fora de qualquer suspeita. Isso é o que se espera de uma justiça, que ela não seja partidária, profissional. Para isso, a justiça tem independência. Ocorre que de uns tempos pra cá, nós vemos um ativismo judicial no Brasil que faz as instituições, como justiça e Ministério Público, se confundirem com as suas respectivas corporações de carreiras. E essas corporações têm seus interesses políticos, o que é também legítimo desde que não confundam as coisas, ou seja, que não levam para o plano da prestação jurisdicional as suas posições políticas, porque é para isso que eles são independentes, mas infelizmente isso tem acontecido. Nós temos visto um ativismo muito forte neste país, principalmente liderado pela mídia que fez com que a justiça agisse de uma maneira extremamente seletiva. Se olharmos o processo que foi movido contra o ex-presidente Lula, no caso do triplex do Guarujá, a gente vai ver que não tem simplesmente nada, mais nada. O próprio Mouro (Sérgio Mouro, juiz que conduz as investigações da Lava Jato) disse em um dos seus despachos que esse processo não tinha nada a ver com a Petrobras. Se não tinha nada a ver com a Petrobras, pra começar nem deveria estar com ele, mas com o juiz lá da Comarca do Guarujá. Em segundo lugar, ele mesmo reconhece que a Petrobras não teve prejuízo neste caso, mas aplicou uma multa de R$ 1 milhão e determinou a Lula que reparasse um dano sem que esteja muito claro qual dano é esse, já que se trata de um ato indeterminado, como o próprio Moro assegurou, de R$ 29 milhões. Isso é um enriquecimento sem causa. Em que a Petrobras perdeu R$ 29 milhões? Um apartamento, em primeiro lugar que nunca lhe pertenceu, pois não tem escritura passada ou algo parecido, uma reforma que nunca foi feita conforme fotos que foram tiradas do imóvel, e ele (Lula) é acusado de ter recebido um apartamento reformado em troca de um ato indeterminado. Isso chega a ser kafkaniano. E aí, realmente, só uma perseguição implacável, que a Lava Jato tem movido ao PT, é que explica tudo isso.
Aragão: Nós temos o hábito de ver a justiça como algo fora de qualquer suspeita. Isso é o que se espera de uma justiça, que ela não seja partidária, profissional. Para isso, a justiça tem independência. Ocorre que de uns tempos pra cá, nós vemos um ativismo judicial no Brasil que faz as instituições, como justiça e Ministério Público, se confundirem com as suas respectivas corporações de carreiras. E essas corporações têm seus interesses políticos, o que é também legítimo desde que não confundam as coisas, ou seja, que não levam para o plano da prestação jurisdicional as suas posições políticas, porque é para isso que eles são independentes, mas infelizmente isso tem acontecido. Nós temos visto um ativismo muito forte neste país, principalmente liderado pela mídia que fez com que a justiça agisse de uma maneira extremamente seletiva. Se olharmos o processo que foi movido contra o ex-presidente Lula, no caso do triplex do Guarujá, a gente vai ver que não tem simplesmente nada, mais nada. O próprio Mouro (Sérgio Mouro, juiz que conduz as investigações da Lava Jato) disse em um dos seus despachos que esse processo não tinha nada a ver com a Petrobras. Se não tinha nada a ver com a Petrobras, pra começar nem deveria estar com ele, mas com o juiz lá da Comarca do Guarujá. Em segundo lugar, ele mesmo reconhece que a Petrobras não teve prejuízo neste caso, mas aplicou uma multa de R$ 1 milhão e determinou a Lula que reparasse um dano sem que esteja muito claro qual dano é esse, já que se trata de um ato indeterminado, como o próprio Moro assegurou, de R$ 29 milhões. Isso é um enriquecimento sem causa. Em que a Petrobras perdeu R$ 29 milhões? Um apartamento, em primeiro lugar que nunca lhe pertenceu, pois não tem escritura passada ou algo parecido, uma reforma que nunca foi feita conforme fotos que foram tiradas do imóvel, e ele (Lula) é acusado de ter recebido um apartamento reformado em troca de um ato indeterminado. Isso chega a ser kafkaniano. E aí, realmente, só uma perseguição implacável, que a Lava Jato tem movido ao PT, é que explica tudo isso.
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