Os bastidores do descumprimento do HC de Lula na Superintendência da Polícia Federal do Paraná. Por Marcelo Auler


Os bastidores do descumprimento do HC de Lula na Superintendência da Polícia Federal do Paraná



Damous e Pimenta, que estiveram na superintendência, não são citados na ocorrência (Foto: Eduardo Matysiak)

O domingo 08 de julho entrou na história do judiciário brasileiro. Se até então discutia-se a insegurança jurídica que se abate sobre o país com idas e vindas nas decisões e, mais ainda, manobras e chicanas processuais – inclusive, e principalmente, do Supremo Tribunal Federal (STF), como descritas em Fachin: um estrategista anti-Lula -, a partir de domingo algo mais grave pontuou: o que eram um Poder, deixou de ser atendido.
O registro da desobediência está no sistema informatizado da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR). Consta ali Ocorrência 564/2018 (transcrita na ilustração ao lado). Levada ao computador pelo Agente de Polícia Federal (APF) Juliano Costenaro, ela relata – ainda que de forma incompleta e imprecisa – a desobediência oficializada a uma ordem de um desembargador.
Ordem que, como se sabe, pode-se discordar e discutir, mas no Estado Democrático de Direito deve ser cumprida. Mas, domingo, na chamada República de Curitiba, não foi. Por interferência de um juiz e dois desembargadores, pelo menos dois delegados da Polícia Federal deixaram de executar o que outro desembargador mandou. Um estava no plantão da superintendência – na PF chamado de “delegado de sobreaviso: Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia; outro, chamado em casa, é o delegado regional executivo, Roberval Ré Vicaldi, segundo homem na hierarquia da PF no Paraná. Foi com ele que deputados e advogados falaram o tempo todo. Mas sua presença não consta do registro transcrito acima.
Na ocorrência não consta sequer a presença dos deputados federais do PT – Paulo Pimenta (RS) e Wadih Damous (RJ) – tampouco dos dois advogados de Lula: o constitucionalista Manoel Caetano e Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha. É como se não tivessem estado na SR/DPF/PR.
Chegaram à frente do prédio no bairro de Santa Cândida por volta de 8h45. Até ultrapassarem o portão e ingressarem no saguão do prédio, já eram por volta de 09h15. Foram recebidos pelo agente que assina a ocorrência que ignorou suas presenças: Costenaro: “um baixinho e loiro”, na descrição de dois dos presentes. Tinha ao lado outro agente, provavelmente, Paulão. Levavam a decisão do desembargador Rogério Favreto no papel. No celular de um dos advogados, a cópia do Alvará de Soltura. Recorrendo ao computador do plantão, o agente localizou a decisão no e-mail.
Ao que consta, nos plantões da Superintendência, diante da chegada de um Alvará de Soltura, agentes comunicam por telefone ao delegado de sobreaviso e este determina a execução. Sem pestanejar. Sem discutir. Não foi o que aconteceu.
Costenaro alegou a necessidade de um delegado. Na superintendência, como é costume, não havia delegado. Eles ficam em casa, de sobreaviso. Daí a forma como são tratados.
Como narra a ocorrência, naquele dia era Flúvio Garcia. Foi avisado em casa, tal como o APF Chastallo, chefe do núcleo de operações, que chegou em seguida.
Consta, dentro da PF, que Flúvio também foi para lá. Mas os deputados e advogados não se recordam de terem sido apresentados a ele. Insistem que falaram apenas com Roberval, o delegado regional executivo, que chegou depois de 10h30. Chastallo sim, estava e depois ficou sempre ao lado de Roberval. Afinal, cuida também da carceragem.
Antes de tomar qualquer atitude, Roberval alegou necessidade de ler a decisão – são cerca de nove laudas -. e se retirou. Paralelamente, falou ao telefone com o superintendente, Maurício Valeixo, fora da cidade naquele final de semana, e com o delegado regional de Combate ao Crime Organizado, Igor Romário de Paulo. Este é considerado o chefe da Lava Jato que restou em Curitiba.
A decisão do desembargador foi oficialmente conhecida, pelo menos, às 9h46. Mas não a cumpriram. Afinal, tratava-se do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um condenado e preso em processo discutível, sem provas, que todos imaginavam apagar trancafiando-o em uma sala de 15 metros quadrados, mas continua mais forte que seus opositores. Este sim, amedrontados.
Como ficou ainda mais evidente neste final de semana, ele é um troféu da Operação Lava Jato e da República de Curitiba. Das duas a superintendência faz parte. Logo, a cumprir uma decisão judicial e perder o troféu, buscou-se a forma de mantê-lo ali. Atropelando o Alvará assinado pelo desembargador Favreto.
Deputados e advogados ficaram do lado de fora até serem chamados à sala de Roberval. Estavam ali quando Moro ligou pela primeira vez. Ouviram o policial dizer ao juiz que teria que cumprir a ordem. Só depois de meio dia é que a “decisão” de Moro chegou à superintendência. Ainda assim, Roberval, ao telefone com o juiz, explicou que seu despacho bão o desobrigaria de cumprir a decisão do desembargador. Não era uma contraordem.
Não há explicações de como ele soube da decisão. Não foi pela imprensa, pois a primeira a divulgar a notícia foi Mônica Bérgamo, na Folha de S. Paulo. Exatamente às 12h02. Três minutos antes de o “despacho” do juiz de primeiro grau ter sido registrado no sistema. Certamente foi avisado por alguém da chamada República de Curitiba. Moro está de férias. Afastado de suas funções. Mas, curiosamente, o despacho estava assinado como se ele estivesse ali, em Curitiba, no exercício de sua função (como mostra a reprodução ao lado).
Até o meio dia, não havia impasse jurídico algum. Mas sim uma ordem de um tribunal a ser cumprida. Supostamente, dois delegados estavam na Superintendência e não a executaram. Sem qualquer respaldo legal.
Poderiam, teoricamente, questionar a juíza responsável pelo caso, Carolina Mouro Lebbos, da 12ª Vara Federal, que cuida da execução penal. Afinal, a decisão do desembargador estava relacionada ao processo que ela cuida. Mas isto não foi feito. Seu nome sequer foi lembrado. Não se falou dela. Foram buscar o apoio de Moro que se socorreu com o desembargador, seu antigo amigo, João Pedro Gebran Neto.
Moro, ao saber pelo delegado que ele cumpriria a ordem mesmo com o despacho que ele mandou de férias, sugeriu então que Roberval ligasse para Gebran Neto. O delegado tentou. No mínimo duas vezes. Não conseguiu. Neste meio tempo, falou com o desembargador Favreto. Ouviu dele que deveria cumprir a decisão. Pouco depois, chegou a nova determinação do desembargador de plantão em Porto Alegre. Desautorizava a interferência de Moro e determinava a execução do Alvará de Soltura, imediatamente.
Mas surgiu a ligação de Gebran, desaconselhando Roberval a tomar qualquer atitude. Anunciou que avocaria o processo para ver o que fazer. Foi quando despachou falando da incompetência do desembargador no plantão para decidir sobre o caso. Ainda que não tenha poderes para, monocraticamente, derrubar decisão de um colega. Se impôs em um plantão para o qual não estava designado. Chocou-se com o colega no mesmo nível de igualdade.
Depois, recebeu o respaldo do presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que também não detêm poderes para dirimir conflito de competência entre dois colegas. Caberia acionar sim o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual está de plantão, durante o recesso, sua presidente, Laurita Vaz.
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Publicado originalmente no blog do autor
POR MARCELO AULER

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