O IBADPP é um dos institutos mais tradicionais e reconhecidos do país
nos debates sobre Direito Penal e Processo Penal
O Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP) divulgou nota de repúdio ao recente julgamento do Supremo Tribunal Federal que, mais uma vez, reafirmou seu entendimento de relativizar a presunção de inocência contra expressa determinação da Constituição. No caso, a decisão foi para permitir a prisão do ex-presidente Lula antes do trânsito em julgado.
O IBADPP é um dos institutos mais tradicionais e reconhecidos do país nos debates sobre Direito Penal e Processo Penal. O Seminário Nacional do IBADPP é considerado um dos mais importantes congressos na área das ciências criminais realizados em solo brasileiro.
Na nota, que começa com os dizeres “é preciso resistir”, o Instituto considerou “inaceitável” que a Corte “ignore por completo o comando explícito do art. 5º, inciso LVII, da Carta Magna”, inclusive por argumentos de que seria uma interpretação ou ainda inspiração em outros países. O Instituto argumentou que a postura do Supremo neste julgamento atinge diretamente a população negra, alvo preferencial do sistema seletivo penal.
Leia a nota na íntegra:
É preciso resistir.
O Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), com fulcro nos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição da República de 1988 e nos seus princípios estatutários, vem se MANIFESTAR PUBLICAMENTE sobre a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que, em sede de Habeas Corpus n. 152752, decidiu pela possibilidade execução antecipada da pena após decisão condenatória proferida por órgão colegiado.
O IBADPP entende ser inaceitável que o Tribunal que possui o dever de salvaguardar os direitos e garantias fundamentais ignore por completo o comando explícito do art. 5º, inciso LVII, da Carta Magna. Considerando a dimensão moderna do princípio da Legalidade e a sua função limitadora do Poder estatal, entendemos que o STF não pode contrariar o texto expresso do referido dispositivo, mesmo sob o pretexto de estar promovendo interpretação ou mutação constitucional, tampouco de estar acompanhando orientações de países estrangeiros – que obedecem, portanto, a outras Constituições.
A dicção do constituinte é explícita e declara que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Efetivar a prisão antes do julgamento definitivo é afrontosa violação a Direitos Humanos, pois impõe tratamento típico de culpado a quem não possui tal pecha jurídica, uma vez que ausente a definitividade da decisão condenatória, sendo, ademais, descabido invocar estatísticas ou argumentos abstratos a fim de justificar a nova orientação jurisprudencial. O quadro se agrava imensuravelmente se consideramos que o Brasil é um país com desumanas e elevadas taxas de encarceramento que atingem de maneira sistemática negras e negros, jovens e pessoas de baixa escolaridade – os mais atingidos por decisões como essas.
Não se pode deixar de notar que a espetacularização do processo penal, direcionada pelos interesses de determinados setores da mídia e/ou da famigerada “opinião pública(da)”, aniquila a inafastável função contramajoritária do Poder Judiciário numa Democracia. Tal fenômeno subverte o próprio Estado Democrático de Direito e transfere para alguns juízes indevida pressão que influencia na tomada de decisões sem qualquer compromisso com o Processo Penal Constitucional. No mesmo caminho, a alusão a expressões indeterminadas, em geral fazendo-se referência a conceitos abstratos e excessivamente coletivos, como o nacionalismo, frequentemente usado como fundamento metajurídico, é estratégia historicamente empregada por regimes totalitários, razão pela qual devemos estar unidos e vigilantes sob pena de permitir o seu retorno.
Tal cenário ainda se evidencia mais assustador se for considerada a odiosa posição ocupada pelo Brasil em relação ao seu modelo de processo penal. Este país é o único da América Latina que ainda possui um sistema de Justiça Criminal despudorada e escancaradamente inquisitório. Inquisitoriedade que se revela no Código de Processo Penal que, vigente desde os anos 40 e com declarada inspiração na legislação italiana fascista da época, autoriza o Juiz ser um dos principais gestores da prova e, por conseguinte, dos atos para sua produção. Esse mesmo diploma processual, em total afronta ao texto constitucional e contrariando toda a sistemática acusatória que se espalhou desde a década de 80 pela Europa (inclusive a própria Itália), ainda permite, por exemplo, que o mesmo Juiz que decrete uma prisão (até mesmo “de ofício” – sem provocação) seja o magistrado prolator da sentença no processo. Esse mesmo cariz inquisitório se materializa também na cultura de muitos sujeitos que atuam no processo e fora dele. Cultura inquisitória que, por exemplo, naturaliza a inconstitucional e ilegal interferência do Julgador nos acordos de delação premiada e ainda legitima tal medida como instrumento de imposição de sofrimento psicológico para, através da tortura, fazer surgir alguma (qualquer) informação que pareça satisfatória às investigações. Cultura inquisitória quase passível de ser tocada quando se percebe que, ao invés da busca por uma reformulação do sistema recursal com respectiva diminuição do tempo de tramitação dos recursos, prefere-se, sem pestanejar, subverter a clareza da expressão trânsito em julgado, explícita pela Constituição Federal, e autorizar a detestável – e já destacada alhures – execução antecipada da pena.
É com muita preocupação que o IBADPP se manifesta absolutamente contra toda e qualquer ofensa às regras Constitucionais, denunciando o claro retrocesso democrático que é a materialização, a cada dia, de um Estado conservador e condescendente com práticas de seletividade e recrudescimento do Sistema de Justiça Criminal. Registra, por fim, solidariedade a todos os cidadãos brasileiros que, na trincheira da resistência, lutam, firmes, pela Democracia neste país.
Marina Cerqueira
Rômulo Moreira
Luiz Gabriel Batista Neves
Vinicius Assumpção
Lucas Carapiá
Antônio Vieira
Elmir Duclerc
Débora Pereira
Maurício Saporito
Lorena Machado do Nascimento
Pedro da Gama Lobo Lorens
Jerônimo Rocha M. da S. Bezerra
Armando Mesquita
Luciana de Oliveira Monteiro
Renato S S Schindler Filho
Camila Hernandes
Henrique Zumak Moreira
Érica de Meneses
Gustavo Ribeiro Gomes Brito
Matheus Martins Moitinho
Rafaela Alban
Icaro Matos
Caio Mousinho Hita
Fernanda Ravazzano
Instituto Capixaba de Ciências e Estudos Penais
Vinícius de Assis Romão
Daniel Fonseca Fernandes
Liz Rocha
José de Assis Santiago Neto (Professor PUCMINAS e advogado)
Felipe Amore Salles Santiago
Ana Gabriela Souza Ferreira
Sebastian Borges de Albuquerque Mello
Ezilda Melo
Monaliza Maelly Fernandes Montinegro
Thiago Aguiar de Padua
Jefferson Carús Guedes
Willis Santiago Guerra Filho
Jefferson de Jesus Sousa
Luciana Pimenta
Thaís Bandeira
Karla Oliver
Daniela Portugal
Marcelle de Oliveira
Katie Silene Cáceres Arguello
Hermes Hilarião Teixeira Neto
Bianca Sena Pellegrino Hilarião
Thiago Bandeira Machado
Daniel Lima Oliveira
Com informações do Justificando
Comentários
Postar um comentário