Não há garantias no STF mas Lula tem chance real de vitória hoje

Paulo Moreira Leite 

Brasil 247

Não há garantias no STF mas Lula tem chance real de vitória hoje


Ricardo Stuckert
Desconfie de quem apresenta a sessão desta quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal, como mais uma armadilha, destinada a  encaminhar a prisão de Lula e sua exclusão da campanha presidencial.
Tenta-se apresentar uma vitória da luta pela democracia e pela presunção da inocência, que permitiu a realização de uma sessão para debater o habeas corpus apresentado pela defesa de Lula, como uma operação maquiavélica.
É bom entender o que está ocorrendo. A chance de uma vitória após quatro anos de confronto com as barbaridades da operação Lava Jato é real.   
Alinhada com a Globo, que chegou a mobilizar um pequeno pelotão de seu elenco de novelas e shows para respaldar uma postura que ofende a tradição democrática do país, a presidente Cármen Lúcia só convocou um debate sobre o habeas corpus porque não tinha alternativa. Cedeu, como ela mesma admite. 
Isso quer dizer que, se o pedido da defesa for aprovado, Lula estará em pleno gozo de sua liberdade até outubro, data da eleição presidencial.
Não é pouca coisa. 
A sessão de ontem deixou claro que o risco de Cármen Lúcia era enfrentar uma questão de ordem apresentada por Marco Aurélio Mello que, numa atitude inédita na história do STF, poderia funcionar como uma senha para uma rebelião de ministros em nome de sua dignidade e seu direito de agir como guardiões da Constituição.
Marco Aurélio não foi uma voz solitária. Falava por um país inteiro, cansado das loterias do judiciário, das decisões supremas de cada ministro, sem consideração por deliberações anteriores. Buscava o direito de encarar o futuro e tomar providências em tempo presente. Também transmitia inquietações cada vez mais amplas de vozes influentes do judiciário, que reuniram lideranças conhecidas e respeitadas, como Sepúlveda Pertence, e também Técio Lins e Silva. Não faltaram dirigentes dos centros acadêmicos de Direito para bater às portas dos gabinetes de ministros do STF por esses dias. 
Cármen Lúcia cedeu depois de ter sido colocada diante de um desafio que não poderia responder sob o risco de enfrentar uma rebelião de magistrados jamais vista na história de um tribunal que começou a ser desenhado em 1824, sob a dinastia Orleans e Bragança. 
Havia duas formas possíveis para o STF fazer essa discussão. Através de duas ações em curso no Supremo, que permitem uma discussão genérica sobre a prisão em segunda instância. A outra é o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de Lula, que envolve uma decisão que terá impacto apenas sobre seu caso específico. Carmen Lucia escolheu a ação que só atinge Lula, opção que, conforme interpretação corrente no STF, personaliza um debate que é mais amplo e anterior.   
A possibilidade do habeas corpus ser aprovado e produzir um alívio na campanha e no conjunto da situação política se apoia numa matemática simples, de 6 votos a favor e 5 contrários.
As consequências são conhecidas. Implicam em garantir a liberdade de Lula até que sua condenação a doze anos e um mês tenha transitado em julgado, isto é, tenha percorrido todas as instâncias do Judiciário, como diz o artigo 5 LVII da Constituição.
Não é uma previsão de bola de cristal mas uma matemática com alguma consistência. Sua base reflete  a postura de cada ministro em decisões anteriores, quando o transito em julgado esteve em debate. 
Numa corte de que tem vivido momentos de inferno, como se viu no deprimente bate boca ocorrido ontem entre Luíz Roberto Barroso e Gilmar Mendes, não se acredita que os ministros irão mudar de voto no último dia por causa de declarações de Fafá de Belém ou de Vitor Fazano.
O debate é mais profundo. Envolve questões graves e sérias do Direito e da Democracia. Também diz respeito a biografia de cada um.   
Não custa lembrar que a previsão de 6 a 5 não contem nenhuma garantia de que o debate esteja resolvido. Para começar, o personagem em questão, Lula, mobiliza interesses econômicos, sociais e políticos, gigantescos demais para serem equacionados numa simples sala de tribunal. A cada palavra, cada gesto, cada iniciativa, forças imensas do país real irão se mover, pressionando de um lado e de outro.
Não se pode descartar a execução de uma manobra conhecida, o pedido de vistas, por parte de um ministro que, vendo-se em minoria, resolve paralisar a discussão. Acontece, sabemos todos. Desta vez, contudo, seria um constrangimento maior, pois se trata de um debate que o STF faz há tempos. 
É  bom registrar que garantir a liberdade de Lula não implica em assegurar sua presença como candidato na campanha -- apenas sua voz e seus movimentos, que seriam silenciados caso seja colocado atrás das grandes de uma prisão.
Mas nós sabemos que a simples liberdade de Lula incomoda as forças que derrubaram uma presidente sem crime de responsabilidade e pretendem utilizar as urnas de 2018 como a consolidação de 2016. Teme-se a voz de Lula, sua credibilidade, sua capacidade de levantar as esperanças de um povo sofrido e enganado. Vem daí o esforço para que seja calado, a visão de que deve ser  preso. 
A experiência ensina que sentenças judiciais não podem ser conhecidas de antemão. Um  ditado popular diz que são como barriga de mulher grávida, na qual é impossível dizer o sexo do bebê -- pelo menos no tempo anterior aos exames de ultrasom. Isso significa que será preciso aguardar pelos votos de cada um dos ministros para saber o resultado do julgamento.
Os jornais dizem que o  fator surpresa se encontra na postura da ministra Rosa Weber. A versão divulgada é que ela pode mudar de voto e transformar os 6 a 5 a favor do habeas corpus e do transito em julgado, que tem mantido até aqui em outros julgamentos, numa tragédia: 6 a 5 contra Lula e seus direitos. Será?
A fraqueza dessa visão reside no comportamento de Rosa Weber, que tem mantido uma postura coerente a favor do trânsito em julgado, sem deixar registrado um único voto em direção contrária. Mesmo em 8 de fevereiro -- um mês e meio atrás -- num recurso do deputado João Rodrigues, preferiu ficar em minoria, ao lado de Marco Aurélio, em vez de manifestar-se a favor da prisão antecipada do réu.
 Em 2012, durante a AP 470, Rosa Weber teve a grandeza de questionar a condenação dos réus por crime de formação de quadrilha, abrindo uma divergência que impôs limites importantes aos projetos iniciais de condenação. 
 Essa postura traduz uma visão técnica da questão. Sua matéria prima faz parte da isenção e do equilíbrio que se espera de magistrados, que são encarregados de proteger a liberdade e os direitos do conjunto da sociedade.
 Imaginar que Rosa Weber irá votar contra o transito em julgado implica em apostar numa escolha que não tem base nas convicções jurídicas que exibiu até aqui.  A decisão estaria apoiada numa opção política, de quem seria capaz de dar um voto contra Lula porque ele é Luiz Inácio Lula da Silva.
Não se pode imaginar nada mais desmoralizante, concorda?

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