"O Processo" terá pré-estreia em abril
A respeito do documentário O Processo, o Conversa Afiada reproduz, da Carta Maior, artigo de Léa Maria Aarão Reis:
O Processo: drama e tragédia no Senado Federal
Nos últimos anos o Festival Internacional de Cinema de Berlim, um dos mais importantes e o mais respeitado, hoje, na Europa e no mundo ocidental, costuma receber uma representação brasileira de respeito. Cidade de Deus, Tropa de Elite Um e A que horas ela volta? foram alguns dos agraciados com vários prêmios, com notoriedade no mercado internacional de cinema, menções e aplausos. No caso do filme de Anna Muylaert, aplausos de uma plateia de pé, em meio à projeção – um fato inédito.
Este ano, na 68ª edição (...) o Brasil se [fez] presente na Mostra Panorama, a principal da festa do cinema, no documentário muito especial de Maria Augusta Ramos, cineasta de 54 anos, nascida em Brasília, com currículo recheado de prêmios internacionais e obra reconhecida em diversos países.
Chama-se O Processo e trata do desenrolar dos fatos, em Brasília, que resultaram no golpe o qual culminou com o impedimento e a cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff no dia 31 de agosto daquele ano. O doc é produzido pela NoFoco Filmes, co-produzido pelo Canal Brasil e tem distribuição da Bretz Films.
As 450 horas filmadas durante um período de cinco meses por Maria Augusta e sua equipe resultaram em um documentário de duas horas e quinze minutos aguardado atualmente com grande expectativa. No prólogo, a sequência histórica e vergonhosa da votação viciada comandada pelo então presidente da Câmara dos Deputados, hoje na cadeia. E como grande protagonista do filme, o Senado Federal e seus personagens: cenas, sequências e momentos tensos da votação de inadmissibilidade da presidente e suspensão do seu mandato, os trabalhos nas comissões e, culminando, a votação final.
O Processo se inicia no Senado – cenas de bastidores e de plenário, filmadas"bem de dentro", explica a diretora - e termina quando Dilma Rousseff deixa o Palácio do Planalto. Mas"o final do filme é segredo," ela diz.
O que ocorreu no Senado, para a cineasta cuja formação foi a musical, da Universidade de Brasília e, depois, a cinematográfica, na Netherlands Film and Television Academy, de Amsterdã,"é o momento mais dramático de todo esse processo político-judicial que tem todos os ingredientes da tragédia". Traições, conspiração, o papel de Cunha, conchavos, dissimulação, ‘‘tudo se reveste de drama", lembra a diretora.
Momento que mais a mobilizou? “Fiquei realmente tocada filmando o último discurso da presidente Dilma, no Planalto."
Na sua conversa com Carta Maior, antes de embarcar para a Alemanha, ela explica que não usa narração nem comentários ou entrevistas no filme – como, aliás, ocorre em seus outros documentários. "Sigo os personagens e através deles acompanho o desenrolar dos acontecimentos no cenário de Brasília."
O filme mostra as comissões, o plenário, a defesa de Dilma, a liderança do PT, e a presidente no Alvorada, conversando, recebendo pessoas. "É um assunto tão forte e histórico que pode ser tema de três, quatro filmes sobre ele abordados de várias formas." Dois outros cineastas já preparam também os seus docs sobre o golpe: Anna Muylaert e Douglas Soares.
"O Processo é para ser discutido e para ser debatido", nos diz a diretora."É um momento importante da nossa história, importante para o país e minha proposta é – como também nos meus filmes anteriores - olhar para uma situação, um momento social ou econômico, político ou histórico de modo a refletir sobre o que está acontecendo e trazer, com essa reflexão, outras narrativas."
"São 450 horas de filmagens com minhas escolhas subjetivas; eu não faço filmes defendendo uma tese. O que pretendo aqui é trazer à tona elementos que não estavam claros."
"O filme também é um processo durante o qual vamos descobrindo um universo através dos personagens; das pessoas. É uma visão subjetiva, é um olhar meu como diretora. A imparcialidade não existe. Em O processo existe é uma proposta de cinema procurando estimular a reflexão e olhar para a realidade de outra maneira; rever essa realidade e trazer outro ponto de vista, outras narrativas."
Narrativas do espectador. Do cidadão que deseja clarear diversas zonas de sombra ainda encobrindo os lamentáveis fatos do processo do golpe de 2016 contra a presidente da República - embora algumas dessas zonas cinzentas estejam sendo, pouco a pouco, desvendadas.
Trata-se de uma proposta de cinema que clama por rememorar e manter a memória viva de todos nós para que tal fato político sórdido não caia nem no esquecimento nem na indiferença. Proposta de fazer cinema (documentário) que chamaríamos de"austera" no sentido de que"o roteiro vai sendo feito na edição," como diz a autora, embora o rigor cinematográfico e a concisão sejam as marcas essenciais."Não há nada de música neste doc. Aliás, como em qualquer outro filme de minha autoria. Acho que música, trilha musical pode distorcer a realidade."
A escola cinematográfica de Maria Augusta é a mesma de dois outros célebres documentaristas. Os que ela mais admira. O francês Raymond Depardon, que começa a ser conhecido em larga escalada no Brasil, e motivo de fascinante mostra, mês passado, em São Paulo, e o holandês Johan van der Keuken, morto precocemente há pouco tempo e professor da brasileira em Amsterdã. Ambos, mestres do cinema sem adjetivos e de uma limpeza excepcional.
(...) A pré estreia no Brasil está marcada para abril, e no fim deste primeiro semestre começará a ser exibido comercialmente.
Testemunha do encadeamento dos fatos dramáticos, senão trágicos, que resultaram na mais séria crise política do país e no colapso atual das instituições democráticas, o doc de Maria Augusta Ramos é, como ela afirma,"uma forma de contribuir para a afirmação da cinematografia brasileira."
Mas a relevância do filme, sobretudo, é a de ser mais um veículo de repercussão poderosa para chamar a atenção para o dramático momento atual do país.
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