O Segredo de Lula, por Juan Arias
Foto: Ricardo Stuckert
Por Juan Arias
O Segredo de Lula
Tradução: GGN
Lula acabou de dizer que "será fácil para ele ganhar as eleições" e já está preparando uma nova turnê política, agora para o Estado do Rio. Lula esconde algum segredo para fazer essa declaração? Por que as eleições presidenciais de 2018 estão tão condicionadas a ele ser ou não candidato? Existe um consenso de que a presença de Lula na cena política brasileira perseguirá este país enquanto estiver vivo, livre ou na prisão. Apesar de todas as acusações e condenações por corrupção que caem sobre ele, ninguém se atreve a considerá-lo morto politicamente, porque um em cada três eleitores ainda é dele, seja ou não culpado.
O segredo da imortalidade política de Lula pode ser um psicólogo tão bom como ele é um político. Sua sensibilidade a conhecer os ângulos mais escuros e os fracos dos outros não é resultado de estudos acadêmicos. É um presente dele desde que ele se destacou como líder sindical em sua juventude. O jornalista José Neumanne Pinto, que é o autor do trabalho O que eu sei de Lula e que o seguiu todos os dias desde que ele começou a se destacar na união, o narra como alguém com grande faro para saber o que que gostariam de ouvir as platéias as quais se digire. Ele começou a falar sobre um tópico e, se percebeu que não engajava, ele mudava de assunto, até encontrar algo que excitasse o público, mesmo que fosse contraditório com o que ele havia começado a dizer.
Não sei se Lula é o melhor estrategista do Brasil. Talvez não seja no sentido acadêmico do termo, mas é em termos de seu "senso político". Como os cães de caça que acompanham a presa, Lula sabe onde aperta o sapato dos outros e o que cada público quer ouvir, como fez quando ele era um jovem sindicalista. Não importa o que possa parecer contraditório, o importante é agradar a todos ao mesmo tempo.
Lembro-me de que, quando ainda não sabia o lado psicológico natural de Lula, fiquei surpreso um dia quando, como presidente, pela manhã, falou em São Paulo para um grupo de empresários que se queixaram da lentidão do Parlamento ao aprovar as leis. Lula disse a eles: "Não me tentem porque tenho um demônio dentro disso, quando eu levanto ele diz: "Lula, feche o Congresso!". Foi o que os empresários queriam ouvir. Ele concordou que, na parte da tarde, teve que intervir no Congresso, que comemorou, não lembranbdo que era aniversário de sua fundação. Lula, que só sofreu um ano como deputado porque não gostava da atmosfera, fez naquela tarde uma grande defesa do Parlamento como algo indispensável para a democracia.
Ele provocou os banqueiros: "Você nunca ganhou tanto em outro governo". Era verdade. O banco sempre gostou de Lula. No Brasil profundo, no nordeste pobre, em frente a seus seguidores, costumava dizer sapos e cobras sobre os ricos que "os impediram de sair da pobreza". Lula sempre poderia ser ele e o contrário. E, além disso, ele sempre foi capaz de se juntar ao consenso e nunca foi extremista, como bem sublinhou meu parceiro Xosé Hermida, em um de seus artigos. Era talvez o seu maior sucesso político.
Para sair do dilema paralisante da ideologia, Lula cunhou uma definição de si mesmo que lhe deu sucesso: "Eu não sou nem de esquerda nem de direita: eu sou apenas sindicalista". Isso o colocou acima das intrigas entre os dois lados para se propor como o candidato dos trabalhadores, que nos cobre a todos.
Essa obsessão por não parecer extremista eu notei a primeira vez em Brasília que o conheci junto com outros cinco correspondentes estrangeiros para fazer uma entrevista. Ele estava prestes a chegar ao Brasil para conhecer José María Aznar, então presidente do governo espanhol, do Partido Popular de direita. Quando a entrevista terminou, Lula me levou de lado e me perguntou: "Você acha que Aznar pensa que eu sou da extrema esquerda? Quando ele se encontrou com o presidente espanhol, a primeira coisa que ele disse foi: "Nem você, Aznar, é tão de direta como dizem na Espanha, nem eu como esquerdista como eles pensam aqui". Sua preocupação era sempre poder sentar-se em todas as mesas de poder sem importar a cor da toalha de mesa.
Há dias, Lula, na esperança de voltar à presidência, disse: "Nem Bolsonaro é da extrema direita nem sou da extrema esquerda". Sua obsessão por não parecer extremista está sempre presente. Lula sabe que os pobres não estão interessados em sua ideologia, mas sim em que ele seja seu aliado; enquanto é suficiente para os ricos saberem que ele não é um Maduro. Ele nunca assustou os ricos. Ele sempre se sentiu confortável com eles.
Ninguém é mais capaz do que Lula de jogar com cartas ao mesmo tempo, e fazendo com que todos acreditem que estão ganhando. Ele sabe o que uns e outros gostam e seu método é tentar agradar a todos. É outro dos seus segredos. Também é dito por Neumanne em seu livro: "Lula aplicou com grande sucesso seu enorme talento para fazer amigos e ser influente, adotando o comportamento raro de ouvir a todos. Ele parece dar razão a cada um e nunca deixa o interlocutor com sensação de discórdia, mas não desiste de sua posição politicamente conservadora, ou melhor, sua posição pragmática".
Dois casos emblemáticos de como Lula tentou agradar os pobres e os ricos: costumava dizer que os hospitais públicos brasileiros eram tão bons e modernos que as pessoas ainda queriam ficar doente para poder se hospitalizar. Não era verdade, mas os pobres gostavam de ouvi-lo.
Ele também disse que com ele os pobres no Brasil "poderiam viajar de avião e sair de férias para Bariloche, Argentina", e que o problema era que os ricos não queriam compartilhar aeroportos com os pobres em sandálias. Nem era verdade, mas os pobres estavam lisonjeados e os ricos não se ofenderam, porque sabiam que Lula, desde que deixara a presidência, nunca sentou em um vôo comercial ao lado de um pobre homem. Viajou nos aviões privados dos milionários.
Algumas pessoas não entendem que Lula, depois de todo o drama do impeachment de Dilma Rousseff, com o país enfurecido antes do conservador Temer, marcado como golpista e traidor, disse: "Eu não tenho mais idade para gritar Fora Temer!". Entende-se, conhecendo a psicologia de Lula, que quer aproveitar tudo para adicionar em vez de subtrair.
Assim, explica-se que, apesar da crise no país, Lula já está armando acordos eleitorais com o pior da direita do PMDB, com os caciques mais corruptos desse partido. Lula sabe que, se ele for candidato e vencedor, ele precisará de apoio para poder governar. 80% do PMDB corrupto e do PP já governaram com ele e com Dilma. Muitos foram seus ministros e Michel Temer, vice-presidente da Dilma.
Goste ou não, Lula é um pragmatista que conhece como poucos as misérias e debilidades de uma classe política que era sua companheira no poder. Quando o então presidente do Uruguai, José Mujica, queria saber de Lula a origem do mesalão, o escândalo que levou lideranças do PT à prisão por ter comprado o Congresso, Lula respondeu com subliminarmente: "É que no Brasil há apenas uma maneira de poder governar ". Ele considerou uma fatalidade a que havia se submetido.
Lula sabe disso e o Congresso sabe disso. E hoje, mais do que nunca, os deputados e senadores estão presos nas redes de corrupção, com medo de cair nas mãos dos juízes; os corruptos se juntam em um abraço enquanto se afogam. Lula e os outros, à direita e à esquerda, sabem que, como nas mafias, os amigos são para sempre. Não existe outra maneira. Ele não se afasta ileso da máfia.
Hoje o governo de Temer, o Congresso - náufragos em um mar de problemas com a justiça - e Lula procuram um pacto de sangue que salve a todos.
Lula tem uma vantagem sobre outros políticos acusados de corrupção. Não precisa procurar provas materiais para se defender contra as acusações dos juízes. Em sua estratégia, mais do que apresentar documentos atuais que citam sua inocência, o ex-presidente proclamou-se um "político perseguido". O que o interessa é parecer discriminado por defender os pobres. Ele gritou na ONU. Nenhum de seus colegas acusados de corrupção ousou tanto.
Fora ou dentro da prisão, presidente ou não, é muito possível que Lula continue vivendo atado à sua estratégia. Isto sem considerar o medo que começam a ter os políticos de uma possível delação premiada [um mecanismo legal pelo qual um réu denuncia pessoas que cometeram crimes de corrupção com ele em troca de uma redução de sua sentença] de Lula, o que poderia fazer tremer a República. Esta delação não existirá, não o interessa, pois mesmo na prisão Lula continuaria a aparecer como uma vítima. Ele continuaria a fazer política, dizem aqueles que o conhecem melhor.
Lula é assim, goste ou não. Ele nunca desistirá nem jogará a toalha. O final, apenas o destino irá dizer.
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