Dilma, ao Tijolaço (I): ‘programa social não é programa de auditório’. Assista a Primeira Parte da Entrevista Exclusiva
Dilma, ao Tijolaço (I): ‘programa social não é programa de auditório’. Assista:
Os leitores do blog devem ter estranhado que, desde quinta-feira, a quantidade de posts diminuiu.
Houve um ótima razão para isso.
Na noite de quinta-feira, este blogueiro e a jornalista Beth Costa, que gentilmente emprestou sua colaboração, foram recebidos pela ex-presidente Dilma Rousseff para uma entrevista no apartamento de sua mãe, no Rio.
Foram quase três horas de conversa com imensa franqueza e simpatia, que resultaram em pouco mais de uma hora de gravação em vídeo, dividido em quatro partes, que começo a postar e sigo, ao longo do dia, assim que a conexão ajudar.
Neles, surge uma Dilma serena, mas sem qualquer vacilação, fala das deformações do processo político e judicial no país, da necessidade de adotar-se uma regulação econômica da mídia, que dissolva a situação de monopólio atual, das eleições de 2018, das reformas neoliberais do governo ilegítimo, das ameaças à candidatura de Lula e da necessidade de o Brasil reencontrar-se num processo eleitoral sem exclusões.
Editados e transcritos com a ajuda dos amigos Apio Gomes, Jari da Rocha, Gustavo Conde, Luciano Frucht, Regina Célia Lopes e Beth Pena, os textos acompanham cada bloco, para os que preferirem ler.
“A mídia arvorou-se em Judiciário
e isso corrói a democracia”
Presidenta, nós estamos entrando, em 2018, que, talvez seja o ano em que nós saiamos de um golpe – com a eleição direta de Presidente da República –; ou o ano em que nós prossigamos no golpe, com impedimento de eleições diretas, com a participação de todos os candidatos que estão postos, especialmente aquele que lidera as pesquisas: Luiz Inácio Lula da Silva. O que a senhora espera deste processo eleitoral de 2018?
– Primeiro eu queria cumprimentar o Tijolaço: este blog fantástico; e dizer que, para mim, é um prazer estar, aqui, falando com vocês, hoje. Sem dúvida, o Fernando [Brito] abriu o caminho para a resposta: se impedirem esta eleição – ou se criarem casuísmos para que ela ocorra nós – nós teremos um aprofundamento do golpe. Porque o golpe não é o ato inaugural, apenas. Tem o ato inaugural! É o impeachment sem crime de responsabilidade; que, de forma absurda – e de forma evidente, não é? –, cometeu um crime contra a Constituição, contra a sociedade brasileira e contra o país. Então, este é o ato inaugural. Agora, o golpe é um processo. E, a gente podia, até, dizer que é uma peça em três atos. O primeiro ato é este: é a inauguração do golpe com o impeachment. Mas tem o segundo ato: por que o golpe foi dado? O golpe foi dado para executar um programa de governo que não foi eleito pela população brasileira. Porque jamais o seria. Porque tira direitos da população; compromete a soberania do país; e fere a democracia. Então, é um golpe contra o povo, contra a soberania e contra os direitos sociais, econômicos e, sobretudo, civilizatórios do país. Então, você tem a segunda etapa do golpe – que é o segundo ato –, que tem uma reforma trabalhista; uma emenda constitucional que reduz os gastos em Educação e Saúde a um crescimento insignificante para as carências do Brasil (este crescimento é por 20 anos: um crescimento só em termos reais). Agora, no resto das atividades que o Estado brasileiro tem que prover – como saneamento, transporte, habitação, ciência e tecnologia (que é o nosso futuro) –, para isto tem até queda real, queda nominal. Porque você não garante, sequer, o crescimento nominal. Então, você tem uma situação gravíssima, neste segundo ato: perdas de direitos sociais, que é retrocesso; venda do país (o pré-sal extremamente comprometido); e a abertura do país para venda das terras férteis; abre os céus do país sem nenhuma contrapartida. Aprovam um decreto que abre, claramente – deixando ele idêntico ao caráter da reforma trabalhista –, quando destroem a fiscalização sobre o trabalho análogo à escravidão. O que mostra que mesmo que eles voltem atrás, eles vão prosseguir nesse caminho. Então a terceira etapa do golpe é para quê? Porque não dá para vender a Petrobras – agora. Não dá para vender, para alienar a Eletrobras, agora. Não dá para não aplicar esse absurdo, que é deixar vender as empresas públicas, e todos os patrimônios públicos, sem licitação nem controle. Não dá, porque precisa… precisa de um mínimo de legitimidade, que esse governo não tem. Então, o que eles querem? Eles temem, também, uma outra questão: temem que haja um referendo revogatório. Referendo revogatório este que vai colocar em questão a base ilegítima e ilegal deste processo que garantiu estas reformas. O referendo revogatório é para voltar atrás. Mas eles também estão querendo garantir que eles possam avançar. E tanto, por isto, eles têm um problema. Qual é o problema? O resultado político do golpe. O resultado político do golpe é a destruição do chamado ‘partido de modernização conservadora’ – PSDB, que transitou de ‘partido da modernização conservadora’ para um partido que se aliou aos golpistas e aos corruptos. E que mostrou sua verdadeira cara, também; não deixando de ser, também, um partido golpista e corrupto. Este processo é gravíssimo, porque tira do cenário a chamada – pela sua tentação antidemocrática… porque o PSDB sofreu uma tentação antidemocrática…
Cedeu a ela?
… E ela cedeu!… e, sobretudo, viu naquilo uma oportunidade para chegar ao poder que lhe tinha sido afastada pelo povo, por quatro eleições consecutivas. Então, eles viram que não tinha como executar seu programa, através de eleições, suspenderam eleições. O peso que isto tem na história política de lideranças tradicionais, no Brasil, é um peso muito forte. A História os julgará. E a História julga numa forma implacável: ela julga, condenando a não ter voto. E criaram um monstro, que é a extrema direita.
Então, são dois efeitos do golpe. Um, destrói o partido – que é um partido conservador, com o qual nós sempre disputamos (que era um partido, até então, civilizado)… Que não soube perder a eleição no campo democrático… Eles não saíam desta linha – democrática –, que era fundamental e importante para o país. E agora criaram um monstro que comeu o campo deles. E aí? Não adianta querer apresentar, como alternativa, os chamados outsiders. Ou se apresenta como alternativa o chamado ‘gestor’, que não quer gerir a cidade para a qual ele foi eleito prefeito… E o outro, que é uma versão estranhíssima de política social feita através de programa de auditório. O PSDB fazia política social, olhando através de óculos, de uma lente de programa-piloto… Porque, no Brasil, se você não fizer programa para milhões e milhões de pessoas – ou seja: no Mais Médicos eram 63 milhões; Bolsa-Família, 56 milhões… E, agora, eles estão reduzindo do projeto-piloto para auditório… Então, você sorteia casa… Isto passa a ser programa social? Eu acho que cada um pode fazer o programa de auditório que achar mais conveniente. Faz parte da democracia essa liberdade de expressão, em programas de auditório. Agora: na política? Num país com 208 milhões de habitantes, que têm necessidades seculares parece brincadeira.
Nesta questão que chegou a degradação a que nós chegamos de ter “programa social de auditório”, me lembrando o Chacrinha (vocês querem bacalhau…); só falta isso… Eu queria perguntar, sobre o aspecto de destruição democrática, que vai além desta questão do haraquiri golpista que o PSDB praticou , que é a questão de terem levado, em nome dessa ambição, o país a uma verdadeira baderna institucional, à deformação das instituições, e com a criação de um estado de desequilíbrio, de tensão permanente, de permanentes escândalos, prisões… Enfim, de uma vida completamente insegura da sociedade, que não sabe qual vai ser o escândalo do dia seguinte e do outro, do outro… se nós não estamos fazendo com que a vida nacional esteja se afastando do mínimo de normalidade que precisa ter para ter para ser eficaz, sob o ponto de vista de funcionamento do país…
Você tocou num ponto importante, que é questão de quando você provoca uma ruptura democrática, e pratica um impeachment sem um crime de responsabilidade – de uma forma explícita! –, você permite, você cria uma proposta de que, a partir daqui, tudo é possível. Em várias circunstâncias, o Judiciário (aí, entendido como Judiciário todo sistema não só dos juízes etc., mas o Ministério Público e os próprios mecanismos de perseguição policial). Mas isto é grave, porque, ao fazê-lo, você compromete fundamentos do estado democrático de direito: todos são iguais perante a lei. Se todos são iguais perante a lei, você não pode tratar uns diferentes dos outros. A não ser que você tenha como base a justiça do inimigo. Você não quer condenar, ou julgar, ou fazer justiça. Você quer destruir. Ao invés de destruir com as armas – como era a questão da guerra, warfare – que é isto: você mata. No lawfare, você usa a lei para destruir. E aí você tem os absurdos: juiz fala fora dos autos; juiz manifesta, antes de julgar, a sua posição. Tudo aquilo que é, absolutamente, impensável e não passível de defesa num estado de direito se comete. Mas não para aí, não… E o Judiciário assiste… A mídia assume o seu papel; porque a primeira etapa dessa história toda foi… A mídia julga – a mídia julga e condena, sem defesa…
E o julgamento passa a ser moral…
Moral… Não há instância de julgamento… Desde quando, em que país do mundo, em que sistema democrático a mídia pode ser elevada ao estatuto de (poder) Judiciário? De jeito nenhum! Não tem juiz; não tem… Ela tem interesses. E aí é que está: os interesses da mídia também passam a ficar evidentes. O que ela defende, o que ela apoia e o que ela quer ficam bastante claro. E aí, fica muito difícil fazer aquela manobra que faziam sempre. Que era o seguinte: quando se falava que era fundamental fazer um controle econômico da mídia, porque ela oligopólica aqui no Brasil – e em qualquer lugar no mundo se você concentrar TV, aberta e fechada; você concentrar jornal e revista; e você concentrar até mídia social você terá um viés antidemocrático. Então, não é só que a mídia se arvorou em judiciário; é que ela o faz de forma a corroer o estado democrático de direito, que é o direito de todos serem iguais perante a lei. Mas é a lei; e não a lei dela.
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