Os dilemas de Lula
O futuro do ex-presidente Lula resume, de algum forma, o futuro do Brasil, de tal forma sua trajetória passada, seu governo, o que ele representa para o povo e os seus caminhos futuros, se cruzam com o destino do país. Nada está decidido, como ele mesmo diz, o jogo está sendo jogado, o resultado está por vir ainda.
Mas os dilemas de Lula resumem também os dilemas do país. Lula transitou, no último ano, da luta para congregar a militância de esquerda, elevar seu ânimo, reiterar fortemente de que a esquerda estava sendo atacada não por seus erros, mas por seus acertos. Falava para a esquerda, para a militância, para os que se sentiam vítimas impotentes da avalanche de acusações, mais que de críticas, que se abatiam sobre a esquerda, e a isolavam, a desmoralizavam, a faziam perder a iniciativa, a faziam sentir-se minoria derrotada. Era um impacto político, mas também moral, para voltar a congregar a militância, falar-lhe do sentido da luta para defender-se, levantar seu ânimo, dizer que a derrota tinha sido dura porque os avanços tinha sido muitos, que era possível dar volta na situação.
Lula falava também para si mesmo. Desde que ele saiu, triste, com Dilma, do Palácio do Planalto, tinha se dado conta que ali concluía um período que tinha sido muito duro construir, que tinha trazido muitos frutos para o país e para o povo, mas que esse período terminava ali, com uma derrota que era impossível chamar de outra maneira. Havia que assimilar tudo aquilo, se dar conta das novas condições de luta, de como havíamos sido pegos desprevenidos pela direita, que havia realizado seu sonho desde 2002 – tirar o PT do governo.
Naquele momento Lula foi buscar a linha histórica que levava do passado ao presente, passando obrigatoriamente por Getúlio, JK, Jango, até chegar a ele. Para encontrar a dimensão histórica do que se vivia, para saber do que se tratava quando se falava de golpe. Para pensar o presente e o futuro em conexão com o passado.
Até que como ele e tantos previam, o governo do golpe revelou suas sanhas ferozes contra o povo, contra a democracia, contra o Brasil. E como se revelava um governo da ínfima minoria, em vingança contra tudo o que de bom havia sido construído. E como ele, Lula era chamado a representar esse passado de conquistas, desmascarar o governo do golpe e se lançar à disputa, de novo, do governo para a esquerda. Para isso era preciso agudizar a consciência e a indignação da grande massa de brasileiros profundamente prejudicados por esse governo, convoca-los à luta, apontar a direção da retomada do crescimento com distribuição de renda e a alentar para que não se perca a esperança, porque se está na contagem regressiva – agora já perto de um ano – para a reconquista possível da democracia, dos direitos, da soberania e do orgulho de ser brasileiros.
As caravanas representam nesse momento a nova fusão entre o projeto de Brasil e os sentimentos e vontade concreta do povo. Mas Lula sabe que não se trata simplesmente de retomar o caminho que deu certo a partir de 2002. Muitas coisas mudaram, umas para pior, outras para melhor. Para pior, a crise internacional é ainda mais profunda e prolongada. Na América Latina, a direita retomou a iniciativa, a Argentina é governada por uma coalizão de direita, similar à brasileira, a Venezuela enfrenta muitas dificuldades, que não deixam de afetar, em níveis e formas distintas, ao Equador, ao Uruguai, à Bolívia. Já não ha um conjunto e governos e de lideres coesos para levar adiante os processos de integração regional e defender posições soberanas da região no mundo. Dentro mesmo do Brasil, o grande empresariado se realinhou à direita, apoiando o golpe e sua politica de desmonte do pais, de promoção dos interesses do capital financeiro, de ataque aos direitos dos trabalhadores e às politicas sociais. Diante da ofensiva da direita, que aglutinou todos os grandes meios de comunicação, grande parte do Judiciário, a maioria do Parlamento, a esquerda diminuiu significativamente sua capacidade de influencia sobre o povo, ficou isolada, vitima de clichês e de sistemáticas acusações de envolvimento com a corrupção.
Mas, ao mesmo tempo, no plano externo, a unidade do bloco imperialista sente fraturas, com o Brexit, a eleição de Trump e sua nova política internacional, enquanto as condições para o avanço das propostas dos Brics se tornaram ainda mais favoráveis. A Rússia tornou-se um protagonista político internacional forte, enquanto a China se aproveita das novas brechas deixadas pela política norte-americana para consolidar sua presença em grande parte do mundo. Dentro do Brasil, por sua vez, a direita queima todas suas possibilidades de ter lideranças com apoio popular, ao tempo em que o governo golpista fica reduzido à menor expressão de apoio popular que um governo jamais teve. A recessão continua, com seus duros efeitos não somente sobre as camadas populares, mas sobre toda a classe média e até sobre setores do empresariado. Apesar de todos os ataques, a imagem de Lula só se fortalece, mesmo diante dos riscos de que a arbitrariedade do regime de exceção o impeçam de ser candidato.
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