Por Leonardo Sobreira, do 247 - A decisão de tirar a presidente legítima Dilma Rousseff do poder já estava tomada quando buscaram um argumento para incriminá-la, e isso caracteriza que as regras do jogo foram quebradas.
A análise é do cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) Fabiano Santos, que concedeu uma entrevista exclusiva à TV 247 (assista a íntegra aqui).
"O complicado no processo e que o caracteriza ilegitimidade foi o fato de o argumento de crime de responsabilidade da Dilma ter sido articulado depois da decisão de derrubá-la. A decisão de derrubar a Dilma Rousseff estava tomada, e foi-se atrás de um argumento qualquer para se buscar o crime de responsabilidade", disse.
Ele destacou também o enfraquecimento do centro político brasileiro e o que isso implica para as próximas eleições presidências. Leia abaixo:
Como entrará a saída da presidenta Dilma Rousseff nos livros de história do futuro: impeachment ou golpe e por quê?
Foi golpe porque houve uma ruptura das regras do jogo democrático, isso é o que tem que ficar muito claro. O importante não é saber se houve uma intervenção dos militares ou se houve algum agente externo internacional que invade e impõe uma troca de governo. O critério mais importante para se avaliar o processo é a manutenção ou não das regras do jogo, e elas foram quebradas pelos próprios agentes políticos eleitos. É claro que há uma coalizão com outros atores importantes do aparelho do estado. Mas uma vez caracterizada a ruptura da regra do jogo não podemos chamar de outra maneira se não uma conspiração de alguns elementos da classe política tendo em vista trocar o governo, fora da regra.
Esse processo tem, por conta de ter sido promovido por agentes do governo, - pelo próprio congresso e instituições de poder - uma certa aparência de legalidade, existe realmente esse fenômeno novo na política: o golpe branco ou parlamentar ou pós-moderno?
É importante dizer uma coisa preliminar. Como isso vai ficar nos livros de história a gente não pode saber. Agora, é interessante a gente observar como chamam o que aconteceu no século XVII na Inglaterra. Chamam de Revolução Gloriosa a decapitação do rei. Ao longo dos séculos a Inglaterra foi crescendo e se tornando um império e chamam aquilo de Revolução Gloriosa, mas se a gente observar no detalhe aquilo foi um processo de rupturas e quebras do jogo. Como a gente vai analisar daqui 50 anos o processo brasileiro e cada etapa é difícil dizer, mas com o olhar mais preciso e com os instrumentos da Ciência Política - nesse olhar de curto prazo e com os instrumentos conceituais - é claramente cristalino que houve uma ruptura da regra do jogo democrático. Isso não quer dizer que houve quebra da constitucionalidade. Porque, no caso brasileiro, houve a legalidade do processo. Mas ao mesmo tempo a mesma coisa aconteceu em 64. Ou seja, o judiciário não se posicionou dizendo que foi ilegal que os militares fizeram - o judiciário foi sancionando tudo. Então contar com o judiciário para se definir se há ou não, do ponto de vista político, as regras do jogo, a gente não vai muito longe. Muito pelo contrário, pode ser um truque. Do ponto de vista da Ciência Política - da legitimidade do processo - houve uma quebra da regra do jogo. O processo não foi legitimo do ponto de vista legal. Quem diz se é legal ou não é quem interpreta a constituição, o juiz do supremo. Se ele diz, tudo bem. Eu, como analista político, não posso passivamente obedecer ao que ele está dizendo. Eu, como analista, vou analisar - essa é minha responsabilidade pública. Na minha responsabilidade pública de analisar eu posso assegurar que houve uma quebra do jogo democrático.
Essa é a própria ilegitimidade dos argumentos que foram usados contra ela, vindos de um congresso recheado de esquemas de corrupção. Inclusive, no ano passado você deu uma entrevista ao El País Brasil falando justamente dessa falta de moralidade do congresso, e hoje temos um presidente formalmente denunciado. É essa a verdadeira face do golpe exposta?
O que caracteriza a ilegitimidade é o fato de o argumento de crime de responsabilidade ter sido articulado depois da decisão de derrubada. A análise da legitimidade do processo se extrai da sua crônica e o que representa isso conceitualmente. A decisão de derrubar a Dilma já estava tomada e foi-se atrás de um argumento qualquer para se buscar o crime de responsabilidade, que acabou sendo chamada de pedalada fiscal. Se pode ter o testemunho de contadores dizendo que aquilo não estava dentro da lei. O problema é que vários governantes vêm fazendo isso, e isso nunca foi o suficiente para se caracterizar crime de responsabilidade. Então se criou uma justificativa jurídica para dar uma aparência legal a um processo conspiratório que já estava determinado anteriormente. Isso é o que caracteriza a ruptura do jogo democrático. Não foi uma suspeita de comportamento fora da lei do governante e daí foi se investigar e se descobriu que de fato aquilo ocorreu. Não foi isso que aconteceu. A decisão de derrubar foi anterior e é isso o que caracteriza a ilegitimidade do processo, porque dentro da democracia você tem que seguir a regra. Uma vez que ela foi eleita tem que deixar ela governar para depois eventualmente substituí-la ou seu partido no poder.
A população estava pressionada e está até agora pela crise econômica muito forte e isso tirou muito do seu apoio para contrapor a movimento conspiratório. Muitos políticos perceberam naquele momento que seria politicamente interessante caminhar nesse sentindo, já que estaria convergindo com o que a população queria. Só que houve um pequeno engano tanto da população como das elites que seguram esse faro motivado pela crise econômica: claramente não haveria uma retomada da economia brasileira após o impeachment. Existia um raciocínio muito simples de que a Dilma era o problema: tira a Dilma e o pais começa a crescer de novo e tudo ficara bom. É simplório, simplista e enganoso, e foi o raciocínio seguido pela população e pelas elites oportunistas. E como isso não ocorreu e os atores que ocuparam o cargo da Dilma também têm todos os problemas que nós estamos percebendo hoje em dia e mais alguns que nós não sabemos, o Brasil não melhorou.
Muita gente fala da crise mundial que impactou as exportações no brasil. Existe uma certa dependência de qualquer país no mundo hoje em dia. Ou seja, se a China, EUA e UE estiverem indo bem o Brasil vai junto. Com a desaceleração da economia desses países a economia do brasil piora. Existe essa dependência, que está fora do controle dos atores políticos?
Sei do debate sei e de indicadores muito persuasivos a respeito da dependência da economia brasileira face ao que ocorre na economia mundial e a margem de manobra dos governos é muito pequena. Isso varia para outros países. Hoje a economia está muito interligada, só que países diferentes têm diferentes graus de liberdade para diminuir o impacto de variações no comércio. O Brasil estaria numa posição mais vulnerável de acordo com algumas correntes. Uma outra corrente detecta claramente que o comportamento do governo Lula e Dilma, na sua atuação no estado, como sendo o X da questão. Uma linha mais ortodoxa diz que o problema é todo endógeno. Eu não gostaria muito de opinar sobre a questão econômica, mas acho que há, embora reconhecendo a força do argumento exógeno, há uma margem de manobra para diminuir os impactos da economia externa. Acho que o governo pode magnificar ou mitigar os efeitos de um ¨downturn¨ econômico externo. Nesse sentido, a Dilma não exerceu a liderança necessária pra mitigar esses fatores, mas não vamos aqui culpar indivíduos e partidos específicos.
Tem um outro problema na economia brasileira. De 2014 para cá, a Operação Lava-Jato e quais setores foram atingidos. A economia brasileira, a do RJ certamente, está muito assentada no petróleo, gás e construção na área de infraestrutura. Todas as empresas que foram atingidas pela Lava-Jato são empresas ligadas ao circuito econômico e a economia brasileira na sua parte mais dinâmica estava ligada a esse setor. Em relação à parte muito pujante do PIB, - do agronegócio e da exportação - o efeito multiplicador dessa parte é menor vis-à-vis petróleo, gás e infraestrutura. Essa parte foi destruída pelo modo no qual a Lava-Jato foi conduzida até o momento, com a prisão dos principais empresários e com o comprometimento direto das empresas. Há um aprendizado que tem que amadurecer: como é que se conduz operações de grande porte sem afetar tão fortemente a economia? Pode colocar quem quiser alí, a economia brasileira vai demorar muito para readquirir seu dinamismo por esse simples fato.
Você acha que existe um ponto de parada?
[A Lava-Jato] já falhou do ponto de vista econômico, porque comprometeu a vida e empregos de milhões de brasileiros por muitos anos. Foi partidário. Quando se percebeu que foi se espalhando para outros políticos, o pessoal do Paraná não se interessou em investigar. As investigações do pessoal do PSDB não partêm do núcleo da Lava-Jato. Se chega ao momento em que isso possa ter uma restrição, porque isso está alcançando o setor financeiro com delações atingindo bancos, porque aí nem o salário dos juízes serão mais pagos. Um grande aprendizado precisa ser feito e as elites atuais longe estão de poder definir um rumo institucional consistente e inclusivo, voltado para o desenvolvimento - que parece que foi o que se queria ter no início do processo. Acho que as instituições voltadas para investigação têm que reduzir sua competência para reduzir os efeitos deletérios para a sociedade.
De certa forma isso é impossível, porque toda essa crise depende muito do processo que foi usado para eleger os governantes que nos levaram até essa crise, o processo político. Ou seja, não tem como a gente esperar que o mesmo processo político vá eleger candidatos diferentes, e isso é vital para renovação da confiança na economia. Você acha que existem propostas viáveis que possam realmente restaurar a confiança no sistema politico?
Os atores que estão aí vêm desde a transição e são mais ou menos do mesmo partido. Desde a transição, esses mesmos partidos produziram um pais diferente. Em 2014 o Brasil era um pais que eliminou a miséria, saiu do mapa da fome como a sexta economia mundial, com um PIB per capita crescendo, ainda que devagar, a desigualdade sendo reduzida, ainda que devagar. Os indicadores eram todos positivos e se estabeleceu uma liderança geopolítica. Esses mesmos atores, eleitos via caixa 2, com problemas de corrupção. Nos outros países dinâmicos, a mesma coisa se observa.
Não depende do sistema político?
Não depende, não tem nada que ver. Os EUA com mega problemas de corrupção, na França o Chirac foi preso, no Japão se matam no parlamento, na Itália temos a Operação Mãos limpas, há a Alemanha com escândalos grandes. Há um argumento que o montante no brasil é um absurdo. E no setor petrolífero as quantidades são absurdas mesmo e isso observa no fato que multinacionais estão envolvidas em esquema de corrupção.
Não diferencia o fato de os políticos terem sido eleitos por caixa dois, já que mesmo assim eles fizeram um pais diferente daquele que saiu da ditadura militar.
Não diferencia o fato de os políticos terem sido eleitos por caixa dois, já que mesmo assim eles fizeram um pais diferente daquele que saiu da ditadura militar.
Talvez as circunstâncias atuais sejam um pouco diferentes. O mundo no geral sofre de uma falta de confiança geral no sistema político. O partido Democrata nos EUA, por exemplo, está desgastado porque não consegue decidir um rumo. Talvez seja necessária a decisão de um rumo novo, o que foi muito o que o Lula fez de certa forma - realinhar a esquerda num projeto que tirou milhões da pobreza. Talvez possa depender disso a retomada?
Internacionalmente a democracia está com muitas dificuldades. Existe muita literatura discutindo - e é uma literatura que precisamos enfrentar, produzir e criar em cima - que a democracia está vivendo uma dificuldade muito grande tendo em vista situação do capitalismo contemporâneo: muito internacionalizado, financeirizado e com uma influência muito grande estatal entre os proprietários do capital e os não proprietários. Até a década de 70 e 80 existia uma simetria maior: os não proprietários - sindicalistas os trabalhadores das classes medias - tinham um empoderamento razoável e tinham uma influência razoável no processo eleitoral, no processo de produção da riqueza. Com uma rearticulação do capitalismo, se produziu uma assimetria muito grande, isolando uns atores de muita influência e excluindo uma massa muito grande de atores desempoderados, sem voz e sem capacidade de exercer influência. A eleição longe está de conseguir resgatar esse empoderamento. Esses problemas estão presentes no brasil com muita força.
É essa a própria convergência do poder com o setor financeiro que pode ser vista como uma das fontes de corrupção...
Exatamente. É o caixa 2, a questão da força do dinheiro e da mídia nas eleições e a decadência das máquinas partidárias que intermedeiam os meios de comunicação de outra maneira, já que são intermediados pelo capital e pelo capital financeiro. Não tem mais nação, esses capitais não têm mais nação. E isso está impactando muito fortemente o comportamento dos governos no âmbito internacional com repercussões importantes no Brasil. Interessante é que no caso brasileiro isso começa a repercutir mais recentemente. Até 2013 o Brasil dava sinais de que estava se incluindo no hall das grandes nações, não só por conta de uma política externa mais ativa, mas também por conta das conquistas internas. No âmbito do governo Lula, o que é que vem de novidade? Toda a articulação entre participação política e representação política, ao lado da institucionalidade política dos partidos, que tentava se constituir toda uma gama de articulação com os movimentos sociais.
E isso incomoda setores específicos da sociedade, setores de minoria...
Exatamente. Isso começou a gerar conflitos muito fortes com elites já tradicionais.
E o Brasil dessa forma se autodestruiu, e essas mesmas elites atualmente inclusive não conseguem nem governar o pais, já que não tem apoio popular.... Você acha que novas eleições podem servir como forma de renovar a esperança?
Primeiramente, vamos tratar da questão da governabilidade. A capacidade de lidar com a desigualdade entre as nações e dentro das nações está diminuindo muito desde a crise de 2008, que chegou com forca no final do governo Dilma e no início do governo Dilma 2. Ninguém tem resposta pronta para isso. O governo Dilma longe esteve de articular uma reposta minimamente consistente sobre o que acontece no brasil e demonstrou sua incapacidade de manejar os dilemas da sociedade no capitalismo contemporâneo, o que isso acontece em outros lugares do mundo. No caso brasileiro tem uma característica que é a quebra do centro político e a polarização. O que vinha dominando a transição democrática e a articulação do centro político? A aproximação da esquerda com o centro político e a moderação do centro no sentido de aceitar políticas de inclusão e de criação de um mercado de consumo de massa e ao mesmo tempo politicas estatais consistentes e fortes de inclusão social. Já havia um consenso mais ou menos aí de que é necessário incluir e dar chance, e oportunidades. Havia uma tolerância maior dos conservadores com as políticas de inclusão. Há um pacto, que é o pacto de '88: democracia participativa de um lado e um estado que é mais ativo, ou seja, um contrato social-democrático que ganhou mais expressão nas políticas do PT, mas que já vinham se insinuando no governo Fernando Henrique. Esse centro político quebrou, sumiu, polarizou.
O que a direta tenta fazer é interditar a esquerda de participação no jogo político por vários motivos. A ascensão do Eduardo Cunha no final do primeiro governo Dilma e depois de toda a bancada, acho que essa é a ideologia predominante no congresso. As forças de esquerda e de um centro mais moderado não conseguem se sobrepujar, o que cria um problemão, porque uma instituição tão importante como o congresso está inteiramente afastada daquilo que é necessário fazer para retomar um caminho consistente para o Brasil, está radicalizando. Essa retomada do centro político é vital como tarefa para as elites que virão.
Nas eleições do ano que vem, aí eu acho que tem uma questão importante. A estrutura da competição eleitoral no brasil é muito semelhante. Desde Collor não é a mesma sigla que competiu pela direita. Mas desde Collor em diante nós temos duas forças políticas: uma agregando a centro-esquerda e a outra agregando a centro-direita e as duas se embatendo no final, no primeiro e segundo turno. Essas estruturas têm sido fundamentais para viabilizar essas candidaturas. Quem quer que venha vai ter que lidar com essas estruturas para alcançar o eleitorado e fazer as alianças necessárias. Ao mesmo tempo que há uma ansiedade por renovação, por outro, o imperioso na competição eleitoral é resiliente a isso. A necessidade de se ter uma estrutura acaba mantendo o jogo em torno das mesmas instituições e das mesmas lideranças.
Com a quebra do centro político, existe um perigo no brasil de que alguém com essas políticas mais radicais de extrema direita seja eleito?
Em política é difícil não ocorrer aquilo que pensávamos que não poderia ocorrer. O impensável ocorre. A política também tem uma lógica. Quem quer que venha que seja outsider, que está fora das estruturas partidárias que vêm hegemonizando, se quiser ter condições, tem que compor. É difícil competir eleitoralmente sem fazer compromissos e alianças muito claras. No caso brasileiro as eleições impõem isso. Você vai articulando compromissos com diversas camadas, diversas frentes partidárias, movimentos sociais, lobbies, agentes da mídia, agentes da imprensa, agentes das corporações. Não está claro para mim a possibilidade de uma candidatura muito radicalizada, purista e com um discurso só. No caso especifico do Bolsonaro, qual o grande apelo? O apelo é a questão da violência, a imagem de alguém que impõe a ordem e a autoridade com base na violência, com base no comportamento não tolerante. Isso é um discurso só. A agenda do país é muito complexa e numa campanha presidencial esses temas aparecem. Então para se tronar viável qualquer candidatura tem que sair do seu populismo e da sua base, da sua identidade e produzir respostas consistentes p\ra todo o espectro de questões. O grande problema pode ser analisado no caso da Marina Silva, que tem uma base de saída já bem identificada, que é a questão da sustentabilidade, do desenvolvimento diferente, de uma ¨limpeza¨, mas não consegue sair desse tema. Na hora que começa a debater outros temas, a inconsistência é permanente, as contradições aparecem e o eleitorado percebe e tem percebido isso. Não sei se todo o problema pelo qual o pais vem passando, econômico, social, se isso acaba modificando muito o pensamento e o raciocínio do eleitor, não sabemos. Por isso que dizemos que o impensável as vezes ocorre. O que a gente sabe até agora é que o eleitorado quer respostas consistentes pra essas questões e uma candidatura pura que só quer marcar sua identidade de origem dificilmente pode passar por esses obstáculos.
Você mexeu no aspecto da violência, que é o que vem dominando a concepção política de muita gente. A gente viu vários movimentos sociais contaminados com esse viés ditatorial e muita gente pedindo a volta da ditadura. De que forma você acha que esses candidatos são uma reflexão das demandas sociais, ou seja, se existe uma demanda social pró-violência, você acha que essa demanda é grande o suficiente para a gente ficar com medo e falar que tem alguma coisa errada?
Eu acho que tem que ter todo o cuidado do mundo. Acho que a retórica da intolerância se estabeleceu em 2013, se aprofundou com esses movimentos em torno do impeachment, patrocinados e financiados por órgãos internacionais. Faltou muita transparência na articulação de vários desses movimentos. Muita intolerância, palavras de ordem inexplicáveis, sem sentido numa ordem democrática. E os efeitos da crise econômica estão aí, com um aumento muito grande da criminalidade e da violência. No Rio, o tecido social está todo corrompido e isso acaba produzindo, e os psicólogos podem nos ajudar a responder essas questões, as reações das mais irracionais, epidérmicas, desprovidas de uma racionalidade. Quando as pessoas querem responder à essa situação com mais violência, no futuro elas vão obter mais violência ainda. É frequente na história dos povos as nações que simplesmente se matam. A autodestruição pode se aprofundar. A violência é a maneira última de você ter isso. Quando não se tem a lei, se não se tem os direitos e o devido processo legal, se não se tem uma estrutura institucional do estado que possa diminuir os conflitos de uma maneira estável, transparente e razoável, isso leva a uma situação de exercício puro da violência, que é o que nós não queremos, que é o estado de guerra, o contrário da democracia e da inclusão social.
Existem algumas propostas em tramitação no congresso que visam como um todo reduzir o número de partidos. Ano passado já foi aprovado o fim do financiamento privado de campanha. Em relação ao número de partidos, você acha que esse é um problema?
Se é um problema não tem nada a ver com o problema que estamos vivenciando hoje em dia e acho muito estranho os atores políticos em torno de um presidente que está sendo questionado quererem fazer uma reforma política. O presidente do Senado e o presidente da Câmara são aliados do presidente atual e eles lideram a o processo de reforma política para dar conta de que problema mesmo? Não entendo como essas lideranças estão reivindicando uma capacidade de produzir uma reforma. Para gerar o que? A discussão de reforma política estamos fazendo há muitos anos no Brasil e modificam-se as regras eleitorais a todo momento. Cada eleição é uma lei eleitoral nova. Nós observamos as experiências dos países dos mais diversos, com diversos sistemas eleitorais e governamentais, é crise lá é crise aqui. Hoje em dia na França, temos lá um sistema eleitoral majoritário, e o presidente que ganhou nunca foi de partido nenhum e põe na eleição legislativa um partido que nunca existiu. Mesmo assim, ele teve muita forca e isso num sistema diferente do nosso. Então você tem uma volatilidade eleitoral na França absurda e produzindo uma situação que ninguém entende muito bem como se produziu, e que regra eleitoral foi capaz de gerar essa situação ou impedir que se gerasse essa situação. Se formos pegar a eleição do Trump nos EUA, nesse sistema eleitoral longevo e uma democracia longeva, e um ator político que nada vem do partido, radicalizado, polêmico e truculento. Outros exemplos na Inglaterra agora, com um sistema eleitoral que produz o bipartidarismo e agora a primeira-ministra que não tem maioria para governar e tem que governar com um partido da Irlanda do Norte. Hoje me dia o problema não é reforma política.
O FHC por exemplo escreveu ontem no Valor que um ato de grandeza por parte de Temer seria adiantar as eleições congressuais e estabelecer o mandato presidencial de 5 anos sem reeleição, o que você acha dessas medidas?
Nada a ver, totalmente fora do ponto.
Em termos de visão da comunidade acadêmica. Existe um consenso? Qual a visão de cientistas políticos, cientistas sociais, sociólogos, etc. em relação ao golpe?
Acho que existe uma pluralidade de visões no nosso metiér de cientistas sociais. Eu acho que há uma visão majoritária clara de discordância do processo. Isso não e muito difícil de caracterizar. Não é consensual a visão, existem opiniões importantes divergentes dessa, achando um processo constitucional, dentro das regras. Mas mesmo assim há uma visão mais geral de discordância do que foi feito em maior ou menor grau, alguns chamando de golpe, outros chamando de conspiração ou até mesmo de um processo constitucional equivocado. O que existe de mais preocupante no âmbito da academia é o que se faz com o pais no âmbito da academia, no âmbito da ciência política e da tecnológica. Se fez um enfraquecimento desse ramo, juntando Ciência e Tecnologia com o Ministério das Comunicações, coisa que nunca tinha sido feita. Há a diminuição da importância do que vinha ocorrendo na ciência e tecnologia do país, justamente na produção do país como um player internacional. A internacionalização da ciência, na busca de cérebros de fora para dentro, tudo isso tem um peso importante do setor público. Isso está se perdendo. Construir é muito difícil e para perder é muito rápido. Toda essa arquitetura, toda essa forca que o brasil vinha construindo no âmbito da academia, da ciência e da tecnologia e das ciências sociais está sofrendo uma interrupção muito forte.
Existe uma intenção maior talvez do governo de reprimir esses setores de pensamento da sociedade ou isso é um produto mais da austeridade econômica, de não ter como gastar tanto com isso?
Com certeza a questão da crise econômica e da austeridade pesa. Onde se tem uma crise fiscal do estado, todos os setores vão ser afetados. No caso da ciência e tecnologia eu acho que isso foi muito unilateral, unidimensional, muito afetado sem a devida ponderação e sem a devida discussão, assim como no setor da cultura por exemplo. Esses setores estão sendo afetados mais do que proporcionalmente e acho que a austeridade explica isso. Eu acho que tem uma certa visão no brasil hoje em dia de que não serve para muita coisa o pensamento crítico, uma academia pujante, que isso é um desperdício. Também existe uma questão partidária de detectar um alinhamento mais automático de setores anteriores. Não quero magnificar esse lado porque esses dois primeiros lados são muito importantes também e a gente tem que combater isso.
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