Ao criticar os políticos, Moro atinge a democracia

Por Ricardo Bruno
BRASIL 247
A entrevista do juiz Moro, publicada hoje na Folha, é estarrecedora por alguns aspectos subjacentes ao correto e sempre bem vindo discurso de combate à corrupção. Sem pejo, o magistrado faz coro com o senso comum em críticas à classe política. Apresenta-a como absolutamente desinteressada em frear o avanço das crimes de corrupção. Ainda que a maioria dos políticos se comportasse com tal desapego ético, a generalização só contribui para a corrosão moral das instituições políticas, roubando-lhes legitimidade na garantia do processo democrático. Na distorcida visão de Moro, apenas o aparelho repressor do Estado (Justiça, Polícia e MP) estaria de fato comprometido com a tarefa. De modo perigoso e simplista, Moro dividiu o país entre nós - zelosos defensores da ética- e eles – os complacentes da moral permissiva.
É importante lembrar ao magistrado que o aparato legal do qual se vangloria de utilizar foi engendrado, debatido e aprovado pelos políticos. A Constituição de 1988, que garantiu o protagonismo do Ministério Público nas investigações, é um legado da classe política. Moro também não pode esquecer que a presidente Dilma Roussef foi quem sancionou sem vetos a lei que define o modus operandi de uma organização criminosa com a criação do instituto da delação premiada. Portanto, não fosse a classe política não teria ele conseguido realizar sequer uma pequena fração do trabalho da Lava Jato. Ao invés de reconhecer tais avanços, o juiz prefere a crítica rasa aos políticos, como um furibundo militante do MBL. Ora, um magistrado de sua importância não não pode se perder na catilinária desarrazoada à atividade política. Fazer eco ao grito irascível de um militante revoltado efetivamente não contribui para o aperfeiçoamento do processo democrático. Afinal, sem política não há democracia.
Por estas e outras, há quem veja por trás do atual ativismo exacerbado do Judiciário um movimento de matriz antidemocrática. Pressupor que instituições importantes como o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia são autossuficientes para garantir o rigor ético é um exercício de menosprezo à democracia – cuja beleza e êxito advém exatamente dos pesos e contrapesos políticos pactuados pela sociedade.
Na entrevista, Moro defendeu as controvertidas teses jurídicas a que tem recorrido em suas sentenças. Sem provas diretas, a condenação de Lula, por exemplo, se deu porque, segundo o magistrado, os benefícios concedidos ao ex-presidente tem "como única explicação" a corrupção na Petrobras. Convenhamos, ilações desta natureza - ou provas indiciárias, segundo o Moro -são absolutamente frágeis e temerárias para retirar de campo a principal liderança política do país.
Moro exprimiu ainda uma visão um tanto heterodoxa do código penal, ao defender a aplicação de provas indiciárias em substituição a provas diretas, benefícios a réus em troca de delação premiada e prisões preventivas. Enfim, um cardápio de práticas previstas como exceção na aplicação do direito tornou-se regra geral na Lava Jato. Daí a oportuna frase do polêmico Gilmar Mendes de que a operação criou um "direito penal de Curitiba".
Estranhamente, Moro voltou a defender o vazamento da conversa entre Dilma e Lula. Curioso é que ano passado, após receber duras críticas do então Ministro Teori Zavaski, o magistrado fez mea culpa. Pediu escusas, como se tivesse efetivamente arrependido do flagrante atropelo à Constituição - ao deliberar em primeira instância sobre questão que envolvia a Presidente da República. Pelo jeito, Moro não mudou de ideia; a desculpa pública foi um reles estratagema, para retocar sua imagem arranhada pela truculência da divulgação do áudio. A julgar por suas declarações, o magistrado se arrependeu de ter se arrependido. Moro continua o mesmo - acreditando numa espécie de missão a que estaria predestinado para salvar o país, de cidadãos inescrupulosos e corruptos. Como se esta mudança não dependesse mais da sociedade e menos dele ou de qualquer outro bem intencionado.

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