Por Luis Nassif
Caso 1 - as guerras internas na geopolítica
Desde a criação do padrão ouro, sempre houve uma disputa interna, nos países, em torno do modelo.
O padrão ouro era essencial para a globalização do sistema financeiro, ao criar uma medida de valor global para os países que aderiam. Por outro lado, impedia os países de praticar políticas cambiais e monetárias autônomas.
Qualquer problema britânico, o Banco da Inglaterra aumentava os juros atraindo o ouro do mundo inteiro. Esse movimento provocava uma redução da moeda em circulação nos diversos países, uma apreciação do ouro, tirando a competitividade de seus produtos e jogando as economias nacionais em recessão.
Além disso, a adesão ao padrão-ouro, ou sistemas similares, impedia que pudessem se valer dos gastos públicos como estimulador da economia.
Em cada país, a disputa era decidida pelo jogo de interesses em cada ponta, a dos metalistas, do padrão ouro, e dos papelistas, do papel moeda.
Pertenciam ao grupo dos metalistas os financistas locais e os importadores em geral. E, obviamente, os grupos internos aliados do mercado financeiro global, de financistas e capitalistas sócios do capital externo, seja para atividades rentistas ou investimentos industriais.
Do lado dos papelistas, os exportadores de produtos industrializados, que também recorriam a medidas protecionistas contra as importações.
O desenvolvimento norte-americano do século 19 está diretamente vinculado ao repúdio ao padrão ouro e às tarifas protecionistas conquistadas pelos industriais da costa leste. Foi uma guerra entre papelistas e metalistas na qual, o período de hegemonia dos metalistas, permitiu um salto na industrialização norte-americana.
No final do século, a internacionalização de grandes grupos e o aparecimento de grandes financistas, como J.P.Morgan, inverteram a balança política, trazendo de volta o padrão-ouro, que perduraria até a 1a Guerra.
Peça 2 - a correlação de forças
Quando se olha a questão nacional, a médio prazo uma política industrial inteligente reforçará a economia nacional, melhorará o nível de emprego, adensará as cadeias produtivas, aumentará o mercado interno de trabalho, por consequência a condição de vida dos cidadãos. Interessa a quem vê a economia da ótica dos cidadãos locais.
A outra visão é das empresas - e investidores - que tratam a economia de forma global. Nesse caso, interessam apenas as vantagens imediatas. É o caso dos bancos que emprestavam para governos e empresas nacionais e precisavam apenas da garantia de manutenção do valor emprestado e da folga no orçamento para garantir a solvência. Com o papel-moeda, estariam sempre sujeitos a desvalorizações cambiais que reduziriam o valor a receber.
A lógica do padrão-ouro definia vencedores e perdedores:
1. Se a nação tivesse um déficit na balança comercial, significava que estava gastando mais ouro do que recebendo.
2. A redução dos estoques de ouro obrigava a uma redução da oferta de dinheiro.
3. Com menos dinheiro, haveria menos atividade econômica, obrigando as empresas a reduzirem sua produção. Assim, o ajuste interno era dado pelo aumento do desemprego e pela redução da rentabilidade da produção voltada para o mercado interno.
4. Se havia superávit comercial, entrava mais ouro, maior quantidade provocava uma redução no preço do ouro e, automaticamente, uma redução no preço relativo dos produtos exportados.
Esse mecanismo era incompatível com o crescimento da economia.
O aumento dos investimentos quase sempre vem acompanhado de aumento das importações e da necessidade de aumento do crédito. Se o aumento das importações levasse ao desequilíbrio comercial, haveria uma contração no crédito que abortaria o crescimento.
Ou seja, pelo padrão ouro sempre seriam privilegiados os interesses externos em detrimento das demandas internas.
Por outro lado, a estabilização do câmbio, com o padrão ouro, atraía investimentos externos, em parceria com capitalistas locais. Os lucros dos bancos ingleses com as ferrovias da América Latina superavam em muito o que ganhavam em sua atividade nacional.
Peça 3 – o jogo de forças no Brasil
O governo Lula seguiu uma estratégia inicialmente bem-sucedida de criar uma massa crítica em favor das políticas mercantilistas nacionais (aquelas que privilegiam o mercado interno e a produção doméstica).
Abriu um enorme espaço para as empreiteiras, através do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e das ações diplomáticas. Ajudou a criar supercampeões nacionais na área de alimentos e siderurgia. Deu seu maior lance com o pré-sal, e a possibilidade de dar musculatura à indústria de máquinas e equipamentos e de tecnologia para estaleiros e plataformas. Por sua vez, esses campeões ajudavam na governabilidade através do financiamento de campanha no caixa 2.
Com exceção da Petrobras, a tentativa de casar financiamentos de campanha com benefícios pontuais – praticada pela Lava Jato para criminalizar os repasses – é forçar a barra. JBS, empreiteiras, Odebrecht bancavam o PT porque o modelo de desenvolvimento apresentado era benéfico para elas. Da mesma maneira que o mercado sempre apoiou o PSDB. Em ambos os casos, obviamente, ressalvados os casos explícitos de propinas e corrupção.
Onde a tática falhou? Na baixa compreensão e pouca atuação sobre o Judiciário, Ministério Público e mídia. Quando entraram, desequilibraram o jogo.
A mídia sempre foi favorável aos modelos financistas – o padrão ouro ou, como agora, o câmbio apreciado controlado – porque sua balança comercial (exportação de programas x importação de enlatados) sempre foi deficitária. Isto é, sempre importou muito mais do que exportava, no caso do papel de imprensa e da compra de programas de televisão.
Além disso, o mercado publicitário sempre girou em torno de dois grandes anunciantes: mercado financeiro, multinacionais de consumo.
Não foi à toa que a ofensiva da Lava Jato esmagou impiedosamente as empresas que compunham o leque de apoio a Lula, destruindo tecnologias, empregos, posições estratégicas no mundo. Não foi meramente uma ação anticorrupção: foi um trabalho eminentemente geopolítico, em que o pacto dos vencedores (mídia-multi-Judiciário-MPF) tratou as empresas (e não apenas os empresários) de acordo com o direito penal do inimigo.
Peça 4 – os candidatos a Catão
A atuação dos personagens públicos mais ostensivos obedece a essa correlação de forças.
Quando o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), assume o papel de o homem que matou o facínora, não se pense no cavaleiro solitário enfrentando os vilões da plutocracia.
Ele atua tendo na retaguarda um elenco estelar de grandes multinacionais brasileiras e estrangeiras e, especialmente, a Rede Globo, o poder maior que paira sobre o Brasil. Indague dele qual sua posição sobre os escândalos do futebol e sobre o inquérito espanhol contra a Globo. Ganha uma coleção completa das obras de Lenio Streck quem conseguir arrancar uma declaração sequer do nosso intimorato James Stewart dos trópicos contra um esquema de corrupção amplo e disseminado por todo o país, envolvendo o esporte mais popular.
Na cena principal do filme, Stewart-Barroso duela com o vilão Lee Marvin-Gilmar, mas quem atira de trás dele é John Wayne-Globo.
Desses jogos sombrios de encenação, não escapa quase nenhum Catão. O combate à corrupção costuma atrair vários tipos de personagens.
Depois das manifestações de rua contra o impeachment, contam-se às dezenas trambiqueiros de vários quilates que uma mera pesquisa no Facebook mostrava ter sido um dos soldados mais vibrantes contra a corrupção.
E não apenas os catões de rua.
Enquanto procurador, Pedro Taques tornou-se uma lenda do Ministério Público Federal (MPF), atuando sobre o super-vilão Comendador Arcanjo – um bicheiro que controlava cassinos na fronteira e lavava seu dinheiro com grandes plantadores de soja da região.
Eleito senador e, depois, governador do Mato Grosso, Taques se envolveu em diversas denúncias de propinas para financiamento de campanha. A última denúncia é sobre um esquema ilegal de escutas armados por auxiliares contra adversários políticos.
Poucos catões mantem a coerência, como é o caso do procurador Luiz Francisco, que mantém a postura evangélica. O ex- PGR, Antônio Fernando de Souza, montou toda a estratégia da AP 470, o mensalão. Na denúncia, poupou o banqueiro Daniel Dantas, apesar de laudos da Polícia Federal apontando-o como o grande financiador de Marcos Valério. Aposentou-se e foi para um escritório de advocacia imediatamente contemplado com uma conta gigante da Brasil Telecom, na época controlada por Dantas. Hoje em dia, advoga para Eduardo Cunha.
A exploração da publicidade da Lava Jato, por Deltan Dallagnol, é apenas um ensaio de movimentos futuros, quando a luz dos holofotes começar a piscar.
Deltan entrou no mercado pujante dos conferencistas amparado exclusivamente no protagonismo adquirido com a Lava Jato. Apanhado no contrapé por denúncias, apressou-se a informar que repassou todos seus cachês de 2017 a um fundo destinado a combater o crime, ajudar nas investigações.
Até hoje não informou qual o instrumento do qual se valeu para as doações. Com toda certeza, o dinheiro continua em sua conta de investimento.
Na semana passada, cobrou cachê elevado da corretora que mais cresceu no mercado de capitais nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o juiz Sérgio Moro desestimulava a delação de Antônio Palocci – que prometera focalizar no mercado financeiro – sob a alegação de que estaria blefando.
Quem pode garantir que não houve um acerto, cuja contrapartida foi o cachê? Poderia dizer que não tenho provas, mas tenho convicção de que foi pagamento de suborno. Mas não seria irresponsável. O que houve foi um amplo desrespeito de Deltan ao MPF, ao se beneficiar dos frutos de um trabalho público, permitir que a sombra da suspeita seja lançado sobre toda corporação e, como agravante, provavelmente ter mentido sobre o destino dos cachês. Afinal, como diz a nota oficial da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) quem investe contra um procurador investe contra todo o MPF. Donde pode-se extrair o reverso: quando um procurador apoiado pela ANPR mente, é como se todos os procuradores o seguissem.
Nenhuma surpresa. A maioria absoluta dos Catões são como investidores que se agarram rapidamente à primeira oportunidade de ganhar poder e fazer jogadas de interesse pessoal, escudado na bandeira da anticorrupção. A história esta repleta desse tipo.
http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-da-globalizacao-e-da-financeirizacao
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