W. T. Whitney, Counterpunch
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Os EUA impuseram bases militares na América Latina e já deslocaram tropas para aquela parte do mundo. A 4ª frota dos EUA lá está, cercando as rotas marítimas. Essas ações, deve-se supor, têm a ver com guerra, com preparação para a guerra, com ocupar territórios. Seja como for, os encarregados precisam construir uma narrativa que faça sentido. No que tenha a ver com a América Latina, o governo dos EUA quase sempre argumenta que suas forças militares estariam reagindo a terroristas ou a narcotraficantes ou a insurgências.
Essas justificações são plausíveis, pelo menos até que comecem a circular razões de mais peso para aquela intrusão. O que hoje já se vê é que os chefões militares dos EUA há muito tempo arquitetaram um conjunto de explicações para uma presença militar dos EUA na região que é simplesmente absurda. Querem que todos acreditemos que generosos militares norte-americanos visariam a proteger os latino-americanos contra ameaças que nada teriam a ver com agentes mal-intencionados.
Tome-se, por exemplo, uma recente reunião na "floresta úmida (ing. rain forest) amazônica hostil e desafiadora", objeto de um press release da embaixada dos EUA em Brasília. O que ali se lê é que o Comando Sul dos EUA organizou uma sessão de treinamento para capacitar "pessoal civil e militar enviado para regiões remotas [para executar] Operações de Paz e Assistência Humanitária." Estariam à mão 50 soldados da ativa dos EUA mais 31 membros da Montana Air National Guard. A esses se integrarão 1.550 soldados brasileiros, 150 da Colômbia e mais 120 soldados do Peru.
O exercício, chamado "AmazonLog 17" ou "Operation America United" [Operação América Unida], acontece de 6 a 13 de novembro em Tabatinga, cidade brasileira sobre o Rio Amazonas, onde convergem as fronteiras de Brasil, Colômbia e Peru. Observadores militares de 19 outros países estiveram presentes, bem como o ministro da Defesa do Brasil Raul Jungmann, que estava a caminho para Washington "para três dias de conversações com funcionários do Pentágono."
Planejadores do exercício de treinamento foram informados de que "uma Base Logística Internacional" seria criada ali para treinamento de "Unidades Logísticas Multinacionais Integradas". É a expressão, em burocratês, para "soldados".
A presença de soldados dos EUA para tarefas chamadas "humanitárias" é rotina na América Latina – com a notável exceção do furacão –, lembrou Porto Rico. No Peru, os EUA criaram vários "Centros Operacionais para Emergências Regionais" – por exemplo, desastres naturais – nas terras baixas da Amazônia. Cada um desses centros tem um heliporto, uma unidade para armazenamento de suprimentos para ajuda humanitária, e facilidades para planejamento e monitoramento. Dentre as nações latino-americanas, o volume da assistência militar norte-americana que está chegando ao Peru só perde, em volume à que os EUA dão a Colômbia e ao México.
Durante muitos anos, em seu programa "Novos Horizontes" [orig. "New Horizons"], o Comando Sul instalou bases ou fez exercícios militares em toda a reunião, com o objetivo de entregar assistência humanitária, ou preparando-se para isso. Países hospedeiros incluem Guatemala, República Dominicana, Honduras, as Bahamas, Barbados, Dominica, Jamaica, Haiti, Pana má, Argentina, Peru, Chile.
Os militares norte-americanos anunciam ainda outros projetos beneficentes. Pesquisas científicas relacionadas à Antártica acontecerão numa nova base dos EUA na Terra do Fogo na Argentina. A Marinha dos EUA faz pesquisas sobre doenças tropicais em Iquitos no Peru.
O exercício de treinamento em Tabatinga no Brasil foi "o primeiro grande exercício militar feito na Amazônia", segundo a Reuters. Glauber Braga, membro da Câmara de Deputados do Brasil alertou que o envolvimento dos EUA naquela região "pode representar uma possível perda de soberania e subordinação do Exército Brasileiro." A liderança militar brasileira do AmazonLog-17 desmentiu aquelas notícias como "teoria da conspiração sem sentido levantada por partidos esquerdistas."
Entrevistada pela agência TeleSur, a analista Ana Esther Ceceña protestou contra o exercício, parte dos esforços brasileiros e norte-americanos "para pôr fim a governos progressistas" na América Latina:
"O objetivo do Exército dos EUA e também dos exércitos de Brasil, Peru e Colômbia é criar uma posição preparada na região, que lá ficará disponível para ser usada a qualquer momento como base de intervenção.
A partir dali os exércitos da Colômbia, Peru e Brasil conseguirão montar ofensiva contra governos eleitos – especialmente os governos de Venezuela e Bolívia, que se opõem à hegemonia dos EUA, e contra países da América Latina que são donos de enormes recursos naturais."
Ceceña sugeriu também que "instalações localizadas ao longo de fronteiras nacionais [como as instalações na unidade de Tabatinga] facilitariam uma intervenção no território venezuelano e fazê-la parecer ação de alguma coalizão regional, não uma clara invasão pelos EUA" (as fronteiras da Venezuela estão a cerca de 600km ao norte de Tabatinga).
Em depoimento perante o Congresso dos EUA dia 6/4/2017, o almirante Kurt W. Kidd, comandante do Comando do Sul, disse que "a Venezuela enfrentará instabilidade significativa no ano vindouro [e] crescente crise humanitária na Venezuela pode vir a exigir resposta local".
Especialistas associados ao Centro Latino-americano para Estratégias Geopolíticas, Celag, inserem a reunião de Tabatinga no contexto das atividades militares dos EUA em países vizinhos:
"Essa presença dos EUA na região está relacionada à luta global por controle político, econômico e científico de recursos naturais. E a região amazônica, tomada como um todo, é prioridade, por causa de suas enormes reservas de hidrocarbonetos, água, minérios e sua biodiversidade."
O episódio de Tabatinga, Brasil, é significativo, porque mostra o procedimento pelo qual o governo dos EUA prepara-se para ação militar na América Latina. Fazer guerra exige algum tipo de justificativa que convença os cidadãos norte-americanos. O mesmo vale para qualquer preparação para novas guerras. No caso das guerras do Iraque e do Vietnã, as justificativas norte-americanas foram mentiras sobre armas de destruição em massa e barcos que lançavam torpedos, respectivamente. Hoje, a mentira da hora é uma encenação de generosidade humanitária, que seria o motivo pelo qual os militares norte-americanos aproximam-se da América Latina. É mentira e é farsa e nada explica.*****
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