Dilma ao Tijolaço (III): “com eleição sem Lula, Brasil não se pacifica’. Assista a Terceira Parte da Entrevista Exclusiva

Dilma ao Tijolaço (III): “com eleição sem Lula, Brasil não se pacifica’

No terceiro e mais extenso trecho da entrevista de Dilma Rousseff ao Tijolaço, o tema decisivo: as eleições de 2018. Dilma acredita que o projeto autoritário é impedir Lula de concorrer, mesmo que tenha de absolvê-lo, depois, por falta de sustentação das sentenças.
Sem ele na disputa, porém, sustenta a ex-presidente, a eleição de um presidente não promove o reencontro da população, “não solda o Brasil”. E vai tirar a legitimidade de quem venha a ser eleito numa eleição que, por isso, se torna suspeita.
Assista:

“Eleição sem Lula não trará 
reencontro nem estabilidade”

Fernando Brito – Nesse terceiro bloco, os assuntos serão perdão, aliança, eleição. O golpe é algo que poderá ficar para trás, ou terá que nos marcar eternamente? Presidenta, a senhora acha que – como em sua frase dita em Berlim – os “paneleiros” merecem perdão?
Dilma Rousseff – Olha, o que acho é quem merece compreensão e aceitação é que o povo, quer dizer, a parte que é povo, não é a liderança que politizou… A parte que é povo, ela sempre terá que ser resgatada . Não tem país que não busque unificar o seu povo. Teve muita gente que bateu panela sem ter noção do que estava fazendo, ou manipulado. E tem gente que bateu panela, com má intenção. Teve os dois tipos. Agora, o que as pessoas têm que entender é que se elas, por acaso, bateu panela, fez manifestação e compreendeu as coisas, não tem problema. Não é uma questão de ter um “metro” e medir cada pessoa. Porque senão fica uma coisa, parecendo … o bem e o mal. Política não é isso. Um país, ele tem que se reencontrar. Eu acho que o Brasil tem que se reencontrar. Como, ele se reencontra? Não é fazendo acordo por cima. Não é fazendo o tradicional acordo por cima, que nós já vimos, deu no que deu. Aquele acordo da transição da ditadura para a democracia, em que a gente foi obrigado a construir, não sei se era necessário ou não, não vou entrar nesse caso, mas eu te dou uma consequência:: aquela decisão que faz com que haja anistia recíproca do torturador, né, você tortura por terrorismo de estado e é anistiado, aí, depois disso, você vai entender porque é possível que no Brasil, que é uma coisa que uma coisa que a imprensa internacional todinha fica perplexa, no Brasil foi possível dizer que “a ditadura tinha que voltar” ou “homenagear o torturador”, homenagear a tortura, isso é um absurdo. Você não vê isso no Chile, não vê isso na Argentina, não vê no Uruguai, porque a sociedade ali absorveu esse processo de forma crítica, prendeu quem tinha que prender. Isso não é bom. A gente tem que saber que não é bom.
Nessa transição que vamos dessa situação de golpe para uma situação de estabilidade, é fundamental que haja um encontro. Quando é que esse encontro é? Ele tem data marcada. É em 2018. São as eleições diretas para presidente. Neste momento, eu acho que as coisas no Brasil têm que ser passadas a limpo. Esse momento eleitoral é um momento importante. Por que? É só o voto? Não. É o processo de discussão do país. O país tem que saber o que é que ele quer. Como é que ele quer o futuro dele. Nós acreditamos que é um país que vai ser, para os 208 milhões ou só para 35 ou 50 milhões? Esse país tem uma força imensa. Uma imensa riqueza. Tem petróleo, tem minério, grande produtor de alimentos, de proteínas, de aviões, né? Teve capacidade de extrair o pré-sal no limite de 7 mil metros de lâmina d’água. Mas não é essa a riqueza dele. A grande riqueza desse país é a sua população. Um país imenso, com 208 milhões. Por que é que nós somos BRICs? O que são os BRICs? Os BRICs é a percepção da importância de grandes mercados internos.
Essa autoestima que, alguns anos atrás, era tão forte, como é que ela se perdeu?
Ela se perdeu porque estão tentando nos enquadrar. O golpe foi feito para nos enquadrar econômica, social e geopoliticamente no neoliberalismo. Voltando a 2018, 2018 é um momento estratégico para o país. Em 2018, tudo o que eles querem, para manter o golpe, é impedir que haja uma imensa liberdade de participação. Eles criaram um processo, com um claro objetivo: tirar o presidente Lula das eleições de 2018. Não interessa se depois ele vai ser absolvido. (A eles) Não interessa. E vai ser, pois estão condenando sem nenhuma base. Mas eles querem que ele não possa ser candidato e, portanto, de agosto até novembro, ele esteja inelegível. Bom, do que acusam Lula? Isso é importante. É importante que a gente discuta isso porque foi assim que nós vimos, com clareza, que era um golpe. Porque quando, logo no início, foi proibido dizer que era golpe. Tentaram impedir que a gente dissesse que era golpe. No caso do Lula, é perseguição. A palavra mudou. É um golpe para persegui-lo. Qual é o golpe? Acusam ele de corrupção. Para ter corrupção, você tem que ter, em qualquer legislação, você tem que ter dois requisitos: o ato de ofício e a vantagem. Que que é o ato de ofício? O ato de ofício é “assinar um decreto”, “uma lei”, “um contrato”, “tomar uma medida”. No caso do que eles estão acusando, que é o tríplex, que “o tríplex é dele”, não tem o ato de ofício. O próprio juiz reconhece que não tem ato de ofício. Começa a ser um processo capenga. Qual a vantagem? A vantagem seria o apartamento. Ora, o apartamento não é propriedade dele, nem posse dele. O apartamento é propriedade do FGTS. E aí, o que é que você tem? Você tem a instabilidade democrática produzida por um golpe onde esgarçasse completamente o tecido judicial e você tem a seguinte história: tem juiz que diz que não leu o processo, mas acha que ele é pereito, tem juiz que, é uma coisa que em qualquer lugar do mundo que você vá e diz que ele tem que ser condenado, é caso de nulidade imediata. Então, nós vivemos um momento que toda a população tem de entender que há um processo persecutório com o Lula, com o objetivo claro que de impedir que de agosto a novembro, ele seja candidato. Eu acredito que, logo depois de novembro, eles até absolveriam.
Para serenar os ânimos?
Óbvio, mas também pelo visível absurdo. Você pega grandes internacionais e eles falam isso. Eu vim de um debate na Alemanha, em que isso ficou claro.
Mas um processo eleitoral sem o Lula pode ser, assim, um tanto quanto confortável, previsível para eles, ou a senhora acha que pode gerar uma insondável reação da população?
Eu acho que é aquilo que a gente estava discutindo há pouquinho: não vai haver o reencontro [num processo eleitoral sem Lula]. Você não solda o Brasil, você não cria estabilidade. Um processo eleitoral sem o Lula é um processo casuístico. E tem uma coisa complicada: ele impede que o país se reencontre. O país vai ter que procurar se reencontrar. Ele vai ter que se reencontrar em algum momento.
Um processo eleitoral sem o Lula não torna legítimo esse reencontro…
Não torna legítimo. E mais: torna sempre suspeito. E aí nós caímos naquelas manobras. Agora estão inventando uma manobra que sempre surge, não é? Vamos lembrar, quando o Jango foi impedido, que é o plebiscito (do parlamentarismo). E surgiu depois da Constituição de 1988. Quando eles vêm que não têm muita saída, eles com o parlamentarismo. Ora, no Brasil, como nos Estados Unidos, países como os nossos, que tiveram escravidão, que tiveram problemas de fissura em suas populações, não pode ter parlamentarismo. E, mesmo o parlamentarismo, tem de ter muita tranquilidade para que você não precipite uma crise. Estamos assistindo o que está acontecendo na Alemanha, a imensa dificuldade da chanceler Angela Merkel de formar um novo governo.
E mesmo sendo, dentro da Europa, quem está em melhor situação de equilíbrio econômico. Agora, temos uma outra questão: nossa dimensão como país, no mundo, ela indica uma tendência presidencialista, como acontece em países de grande extensão, como é nos Estados Unidos, a Rússia, a China, são países que têm a necessidade de um governo central, senão eles se esfacelam.
A federação, no Brasil, é uma ficção (mas) ela é importante. Nós podemos ter uma centralidade, mas podemos levar em conta também que tem 27 estados, uma diversidade social, cultural, econômica e, sobretudo, lembrar que não dá mais para concentrar o crescimento só num lugar do Brasil. Não dá mais para ser só o Sudeste e o Sul.
Ainda nessa questão das alianças, a senhora acha que o PMDB implode nesse processo de 2018, com o Temer conduzindo ele (o partido) para uma aliança conservadora e a parte forte do Partido, no Nordeste, caminhando para uma aliança com o Lula?

Eu acho o seguinte: na transição da ditadura para a democracia, depois da constituinte, o Brasil criou um centro democrático. Esse centro democrático era progressista. Esse centro democrático, de uma forma ou de outra, participou como MDB, como PMDB e como uma frente das coalizões que se formaram.
Recentemente, do governo Lula para o meu, esse centro democrático, uma parte dele, expressiva, passou a ter uma hegemonia de direita. [O Brasil] vai ter de reconstruir o centro democrático. Não existe como o Brasil não ter processos de coalizão.
O que não é possível que tenha no Brasil é o seguinte: é impossível que o Brasil tenha 32 partidos. Nós tivemos o fim da lei de barreira, da cláusula de barreira. Ela caiu. Se eu não me engano, foi uma decisão do supremo. E dois outros itens democráticos importantes na nossa legislação eleitoral se transformaram em mecanismos adversos para criar no sistema eleitoral um grande fisiologismo. Eu falo do fundo partidário e do tempo de TV.
Esses dois fatores são fatores democráticos: ter um fundo partidário e ter um tempo de televisão. Só que quando você tira a cláusula de barreira, o que é que se instaura? Se instaura o mercado. Que mercado? O mercado que compra e vende tempo de televisão e que busca o fundo partidário para levar vantagem. E aí você forma…
Você me diga o seguinte: tem 32 programas para o Brasil? Não. Não tem. Como é que é que alguém forma um partido e como e que é que aquilo que é intrínseco a um partido – é da natureza do partido ele quer chegar ao poder porque ele quer executar um programa partidário.
Quando isso acontece, você instaura a fisiologia. Porque 32 partidos vão negociar o quê? Como é que eles chegam no governo? Eles chegam negociando cargo, negociando emenda e negociando voto.
Então, você cria na base uma lógica eminentemente fisiológica que corrói o sistema e transforma esse sistema em passível de ser hegemonizado por uma extrema direita que era conservadora do ponto de vista civilizatório – o senhor Eduardo Cunha – e mais do que isso: que segundo o que se sabe – os que compraram os votos dizem – usava mecanismos, usava uma plataforma de corrupção para construir uma maioria parlamentar.
Então, trocando claramente em miúdos, você tem de mudar essa estrutura porque senão você não dirige esse país. Ele não é governável. Não é possível ficar “hasteando”, como alguma imprensa acha, que a competência política da conversa resolva um problema que é estrutural. Não é possível que o governo Fernando Henrique precisasse de 3 partidos para fazer a maioria simples, de 4 partidos para fazer maioria de 2 terços.
O Lula precisou no primeiro mandato de 6 e 8 (partidos). No segundo, de 8 a 12, às vezes mudava, voltava para trás. Eu cheguei a precisar de 20. Então você imagine se é possível negociar assim? Eu acho que essa questão é uma questão que está no centro do processo.
Se a gente olhar a história, nós vamos ver o seguinte: sempre, a eleição presidencial, ela levou à formação, a uma visão, enfim, a um projeto mais progressista, seja ele de centro direita, seja ele de centro esquerda. Sempre, o parlamento no Brasil desde o segundo império, foi mais conservador porque os filtros midiáticos, financeiros, oligárquicos são mais fortes.
Nós precisamos de entender que governar não é só eleger o presidente. Governar é eleger o presidente, os parlamentares, aqueles que vão decidir. Veja a França. Eles elegem o presidente, um mês depois elegem o congresso, dando espaço para o presidente fazer sua campanha. Não precisa de ser assim?
Há uma coisa muito pior, que está ficando evidente nesse processo eleitoral que se aproxima agora, que foi a redução dos prazos e de filiação e de fidelidade partidária. Porque só por isso nós estamos encontrando situações em que, a quatro meses, a cinco meses do início real do processo eleitoral, candidatos ficam discutindo se vão se filiar a partido A, a partido B, a partido C ou se vão criar um partido…
Não tem cláusula de fidelidade, né? Por exemplo, é inadmissível em outros lugares do mundo que uma pessoa saia daqui e mude pra lá.
E que seja candidato…
 E que seja candidato. Sabe por quê?  Porque tem uma penalidade muito forte.
 Sim, mas ela tem o direito de mudar e deixar ela concorrer. E paga um preço por isso.
Mas paga um preço. Às vezes não também. Você tem razão, porque eu estou pensando aqui no Mélenchon. Foi para o terceiro (partido). Aquela menina do Chile também. Conseguiu 20%. Você tem também fatos que…
Os bônus da mudança…
Quando é de movimento, né, quando significa uma divergência real, a formação de um partido real e não um partido de ocasião.
Beth Costa: E como seria 2018?
Eu acho que em 2018 nós vamos ter que fazer eleição presidencial. Acho que cabe a gente discutir uma constituinte. Até para poder ter legitimidade popular para fazer uma reforma.
Fernando Brito: Os referendos revogatórios?
Eu acho que o revogatório é um dos caminhos. Nós temos que lançar mão do referendo. Porque é plebiscito, né? Referendo revogatório é um plebiscito em que você vai discutir o que você vai revogar. Por que é que você tem referendo revogatório?
Você veja bem: um governo que não foi eleito, cujo presidente e os seus componentes não têm votos. Não foram eles os eleitos. Eles aproveitaram um golpe e subiram ao poder. Eles fizeram e utilizaram uma maioria extremamente questionável para fazer reformas que não tinham sido aquelas designadas para o povo.
E aí? Você vai aceitar que eles vendam a preço de banana o patrimônio nacional? E que isso fique por isso mesmo? Eu acho que a iniciativa do senador Requião de avisar as embaixadas e “a quem interessar possa” de que havia uma grande insegurança jurídica ao tentar aproveitar essa situação de instabilidade política do Brasil que leva a uma insegurança jurídica a fazer negócio.
A pessoa que fizer isso, o grupo político que fizer isso, o grupo empresarial que fizer isso, o país que aprovar uma coisa dessas tem que saber que corre risco. Qual é o risco? Ele está carecendo de sustentabilidade política. Ele não tem legitimidade para fazer essas coisas. Daí a proposta de referendo revogatório.
Em 2018, eu acho que implica em duas coisas. Um reencontro democrático e uma avaliação do que o Brasil quer de si mesmo. Qual é o caminho? Vai fazer essa maluquice? Essa absurda maluquice que é a emenda constitucional – a emenda constitucional, não… A emenda constitucional já aprovada do teto dos gastos por 20 anos. Cinco presidentes da república. Ela retira o pobre e a população do orçamento e tira a população do voto. Então, é inconstitucional.
Mas ela tem uma gravidade maior. Ela compromete o futuro. Porque quando ela trata a educação – também faz isso com a saúde – mas a educação, sobretudo, da forma como está tratando (depois, a gente pode falar do que é que estão fazendo com a saúde)…
Educação no Brasil tem um papel duplo ou triplo. Vou simplificar no duplo. De um lado, ela torna perene… Quando você cria uma política de distribuição de renda e de riqueza, uma das coisas mais importantes é você garantir que as pessoas não voltem atrás. A educação garante que não tenha “volta atrás”. Ela bota o patrimônio no centro… A pessoa carrega ele, não tem como tirar dela.
Internaliza…
Internaliza. Isso ela faz. Então ela cuida de um país que tem essa diferença, essa miséria e essa desigualdade. O segundo papel é que esse país não é um país – como eles querem muitas vezes dizer – produtor de commodities. Não é um país produtor de commodities.
Um país que foi capaz de criar toda a tecnologia de exploração do petróleo, que faz o avião, que tem uma agricultura baseada na melhoria, na adaptação das sementes dos cultivares para a nossa realidade e tal.
Mas esse país, do ponto de vista, de todo o avanço científico e tecnológico, ele está atrasado. Ele precisa de dar uma corrida. Ele tem o lado da riqueza. O que é o lado da riqueza? Você tem de desenvolver a ciência. Você tem de ter ciência básica. Ciência básica custa dinheiro em qualquer lugar do mundo.
E não tem essa que você vai lá e traz para cá, porque não traz. Não traz, não tem essa. Todo o país que cresceu e que virou uma nação desenvolvida, porque uma nação desenvolvida é completamente diferente de crescimento de PIB. É uma nação que produz: ciência básica, porque vai gerar tecnologia e vai fazer inovação. Para isso, te de ter educação de qualidade.
O que é que nós quisemos? Nós sabíamos que precisava de dinheiro para fazer isso. Por que é que a gente fez o fundo social do pré sal? Em que a gente colocava no fundo social do pré sal os recursos para poder investir nisso. Porque isso é o passaporte para o futuro. Esse é o passaporte.
Ora, o primeiro ato desse governo, desse governo golpista e usurpador, é uma maluquice, eles simplesmente criaram um teto para o crescimento dos gastos da educação. Nós, sem o fundo social do pré sal, gastamos – dado todo o critério que era de tanto por cento que era da receita líquida etc – nós gastamos 54 bilhões a mais.
Porque senão você não dá conta. Porque nós temos de entender que no Brasil tem de distribuir riqueza. E o que é distribuir riqueza? É educação de qualidade para o povo brasileiro. Não é para uma elite sozinha ter acesso ao que há de melhor na cultura mundial, internacional e no Brasil.
Tem de ter educação. Aposentadoria. Porque aposentadoria é quando as pessoas que trabalharam toda a sua vida ter amparo e ter proteção. E tem de ter patrimônio. O que é patrimônio para o povo desse país? Terra e casa. Terra e casa. Distribuir riqueza é isso.
A senhora mencionou agora e vai ser o tema do nosso último bloco: previdência social.

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